Perante a Nova Ordem sinto-me incapaz de fazer algo mais do que me esconder em códigos secretos de uma tal secretidão que nem eu próprio consigo descodificar, a cada instante milhares de informações surgem cruzando com valores que eu pensava sólidos e entretanto nem tive tempo para tirar a tampa da caneta que carrego no bolso, não vale a pena, não vale a pena fazer nada para mudar essa gigantesca bola de neve que nos esmaga e faz-nos vergar perante valores virtuais, assim prefiro esconder-me na minha loucura disfarçando-me de são e alterar o estado das coisas a velocidade do meu pensamento, num instante fez-se luz, mera faísca, tic-tac do relógio que apenas conta o tempo num sentido e faz-nos esquecer aquilo que não queremos lembrar, mas lembro-me como um revoltado que empunha uma bandeira vermelha ou um anarquista que coloca mais uma bomba, recuso-me a esquecer as tatuagens que tenho no corpo originadas pelas marcas das dores, não as disfarço quando estou nu mas ninguém me vê nu actualmente, cavei o meu buraco e deitei-me a espera que alguém me viesse enterrar, só que as horas tardam, a noite cai e o frio domina meu corpo, levanto-me, mais uma manhã que me aborrece fazer a barba e recuso-me a olhar no espelho, mas se eu tivesse… se eu tivesse apenas uma fuga, corro rapidamente e quando dou por mim estou perante ao senhor de escravos que me olha os dentes e compra-me por tuta e meia, não consigo me esquecer que nesse pacto com o Diabo que fiz perdi tudo, até mesmo a minha dignidade, mas sigo, mesmo com a cabeça em baixo e as pernas tremulas carrego meu corpo e aquilo mais que ele consiga carregar, meus ossos doem mas não posso faltar pois os tempos são difíceis e não posso deixar que eles se apercebam que estou doente, estou a caminho da morte mas não tenho como morrer dignamente, outro dia, na tasca do Luis comentavam o preço de um enterro, ouvi a conversa calado enquanto pensava o que seria daquelas pessoas que não tem ninguém, não sei se mais gente pensa nisso mas acordei com uns pensamentos estranhos hoje, alguma coisa não bate certo, sinto isso, deve ser da data, afinal hoje é 14 de fevereiro, não gosto de datas anuais, apetecia-me fugir, sair a correr para algum lugar, mas qual? Não consigo fugir de mim próprio, das próprias escravidões que eu escolhi a cada pequena decisão da minha vida, resta-me apenas resistir, só mais um dia, será que sobrevivo esta noite? Ontem, a volta do quarto ouvi vozes que diziam-me que a situação não era boa e um anjo veio acariciar meus cabelos, mas… quem era esse anjo? O que era se é que era o que eu penso que era, inspiro, sinto o ar a entrar pelos pulmões ao mesmo tempo que sinto pena das vezes que respirava melhor e nem sequer dava por isso, maldito tabaco, se ao menos eu tivesse parado de fumar uma das tantas vezes que tentei, hoje ele mata-me aos bocados, fujo de estar perto mas há dias que não resisto, sou um fraco, porquê será que Deus, se é que ele existe fez-me assim, é preciso calma, preciso dos meus comprimidos para acalmar-me a mente e fazer-me esquecer aquela maldita matriz que fez-me chegar a conclusão que a solução estava na aceitação, não, agora digo que não está, agora arrependo-me de não ter-me deixado levar por aqueles olhos de coruja, porquê não sabia naquela altura que ali é que estava escondida a verdade? E pior do que isso, porquê não morri na ignorância? Não faz mal, é tarde, os comprimidos já devem estar a fazer-me efeito, em breve o dia de hoje terá terminado, afinal é um dia normal, mas eu gostava tanto que não tivesse sido, gostava tanto de lhe ter encontrado naquela livraria que a encontrei pela primeira vez, foi tudo tão simples, tão fácil, tão mágico, fui lá hoje, comprei mais um livro daqueles que tenho amontoados no meu quarto e não sei se um dia chegarei a ler, parecia-me que ia dar-me algo de novo mas o que há de novo neste é o que houve nos outros de velho, estou cansado da ordem das coisas, estou cansado deste espaço físico que nem sei se posso chamar de meu afinal na Nova Ordem Mundial nada é nosso e até a nossa alma está hipotecada.