As perturbações de toda uma vida. Os presságios negativos de sua presença, o medo funesto em seu voo. O Corvo negro das tardes cinzas carregava consigo o peso das alucinações humanas sobre sua possível essência, não havia mais o que pensar, não havia mais o que fazer, estava ele, fadado até os últimos dias ao desprezo e ódio, sem nunca ter sabido as reais razões.
Infeliz vivera o pobre corvo, solitário em seus voos, na busca incessante do alimento pobre; em seus hábitos necrófagos, porém necessários e comuns à prole, por vezes, chorava em silêncio pela necessidade de saciar aquilo que lhe fora destinado, o Corvo não escolhera o que comer, tampouco por onde voar e habitat. Não, não escolhera. A natureza cruel lhe destinou tais atos nefastos, os quais cumpri a rigor.
O pobre Corvo, que todas as tardes lança-se às venturas da existência, assim como o trabalhador que detesta sua função, mas tem que cumpri-la, chora em silêncio a dor do desdém humano por si, e por sua prole. O Corvo triste, que também tem um coração, carrega as amarguras de uma vida incompleta, a dor de ser aquilo que não escolheu e, assim, sofre lentamente, deseja a morte.
Após a saciedade da fome, após bicadas e mais bicadas naquele cadáver imundo e sujo, após sentisse tão sujo quanto àquela carniça que o alimentara, implora o Corvo negro por alento de suas dores. Desejaria ele que os humanos entendessem as suas necessidades, que as dores do "pássaro da morte" fossem percebidas e consideradas. Ele, por vezes, sempre na verdade, não desejava o fardo que carregava, mas não havendo o que fazer, assim como não podem os vampiros abidicarem do sangue, seguiria em frente em voos incessantes, pois não escolhe-se quem deseja-se ser, mas há de se cumprir àquilo que se fora destinado, é preciso cumprir.
O Corvo voou por longos campos temperados. Conheceu povos e mais povos, nações e mais nações. O Corvo negro adentrou aos ambientes mais impróprios em sua busca incessante, não encontrou alento para seus anseios. Hoje, em choque de realidade és o alimento necrófago da natureza mãe que o criou.