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Imagine a ação.

 
Era para eu contar uma história de um preto velho e mais alguém, que ia receber um colar que era vermelho e amarelo e dependendo do ângulo me parecia verde também. O preto velho era preto e velho e nessa história, ele estava de branco, roupa barba e talvez uma certa luz que só podia ser branca. E tinha um chapéu que era branco, em essência, mas já queria debandar para amarelação de ser, porque tinha se apegado à poeira da terra vermelha de lá de onde o preto e o outro estavam. É que tinha terra e mato e árvores. Era uma floresta ou um pedaço bonito de uma natureza, como nos locais onde se tem comunhão com as coisas de todos os mundos. Ainda não sei quem era a pessoa que receberia o colar, não conheço nada do lugar dessa história, não sei nem dizer onde é. O preto, nunca vi mais preto ou mais velho, mas penso que sua luz reconheço talvez de outras vidas, ou daqueles momentos que paramos os olhos vidrados num absurdo qualquer e mergulhamos num mar de vácuo, suspensos até que voltamos, voluntariamente ou não, e é como um bálsamo. De lá, desse absurdo, certa vez vi uma luz como a do preto que digo. Posso falar um pouco do colar, já que falei das cores e dessa capacidade de ser metamórfico-multicor. Falo de colar, mas penso sempre no preto velho e na sua cara que ri e não ri, parece que ri, mas não com a boca. Lembrei da Monalisa. Olhei uma vez bastantei a Monalisa, e fiquei achando-a feia, como acho, mas com aquele sorriso que ri não ri, bem parecido com o sorriso velho do preto. Sobre a morna lisa, comecei a acreditar que a tal não ria com boca ou adjacências... era o olho que debochava de todos, da peça que pregara nos expectadores que exclamam: Porque ri, porque ri e não ri? Deves chorar. Era esse o riso, ou saído do mesmo absurdo ou do mesmo mistério. Porque todos os mistérios estão ligados pela liga goma que os cola e ao mesmo tempo os deixam soltos, porque cada um encontra a parte do mistério que lhe cabe ou que suporta carregar. O colar era um mistério, mas é fácil pensar em mistérios de colares porque em quase todos os simbolismos temos esses amuletos e patuás e coisas consagradas, e não devia ser diferente a sina desse colar. Mas não se sabe qual seu poder ou o que simboliza ou de onde vem, e principalmente, para onde vai. Nessa história, o preto chegava e estendia a mão com o colar. E atrás uma árvore testemunhava. Quando penso na árvore, o preto me sai de close e consigo ver seu corpo todo de longe, em frente à arvore. É que na minha visão agora, precisa caber a árvore. O colar paira em algum lugar de outra fotografia que ainda tenho que apreciar, mas por enquanto o que vejo é árvore e preto, preto antes, depois árvore. E tem um certo paletó, e o chapéu, nesse ângulo, parece cartola, já branca e menos saudosista que o anterior, e um anel amarelo que brilha no dedo menor de uma das mãos que descansam sobre uma bengala. Daqui não vejo riso. Posso dizer absoluto que não ri mais. A árvore é um tronco grosso, marrom que parece moldura do preto nessa foto, e verde em cima, um verde que se engalfinha com o azul do céu. E anoiteceu. Foi só ir pro céu que veio a noite. E á arvore nada mais é que sombra escura, e perco o preto de foco. Não falo do outro porque nem sei quem é. Será que sou eu? Será que sou eu quem recebe esse colar multicor? Não sei. Se fosse, acho que já saberia a esta altura. Mas do outro não desconfio nada, nem o sexo, nem o nome, nem identidade. Talvez se eu me concentrar um pouco mais, eu o vejo de costas, dos ombros para cima, vestido em um azul que é forte e se destaca mesmo no escuro. Talvez agora eu adivinhe que é homem, pelos cabelos. Essa história é um pouco complicada porque me vem apenas pedaços dela, porque ainda está se fazendo, às custas de alguma energia que eu mesmo exalo, ou empresto do meu redor. Vou mandando a força para a história, para que ela venha de uma vez e se concretize, sem me deixar assim fragmentado e angustiado sem saber os porquês desse colar. Talvez eu devesse entrar na história, e resolver tudo isso e encarar de frente o tal preto e perguntar: Do que ris? Ris de mim, riso de olhos? Olhas-me rindo, riso lupa! E talvez ele me fale algo, e depois dessa intempérie, eu viro-me rápido e capto o forasteiro no escuro, o tal que ia receber o colar. E conto tudo, e forço essa história a nascer. A história de um preto velho, coberto de branco roupa e luz, perto de árvore e céu e mato e terra, e a entrega de um objeto sagrado, um segredo. E quem estava no escuro era você.

 
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thiagodebarros
 
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