[Vive-se sim, mas no meio do momento: o antes e o depois são despertencidos]
Nesta altura da vida, convencer-me da possibilidade do riso? É quase impossível, quase... Nada há que possa trazer ou causar o riso [à face]. São verbos de implicações diferentes — o que pode “trazer” vem do fundo, e o que pode “causar” vem de fora. Tergiverso, eu sei! Palavras não me convencem de pensamentos assim, vagos, manhosos... Além disso, desde a Antiguidade, sabe-se que o riso é contrário à razão, o riso torna o Homem vulnerável.
Nada... Exceto talvez uma formiga manca, um grilo que perdeu uma perna, uma cobra que acaba de trocar de pele, uma barata de asas semidestruídas, a carcaça vazia de uma cigarra, um poema ridículo, ou até qualquer poema... ou, mais insignificante e ridículo ainda, a figura de um velho cansado, com a sua bengala desgastada atolada entre as pedras de um calçamento que não existe senão na ilusão de olhos embaçados de velhice...
Talvez coisas assim, triviais, useiras e vezeiras, por meio de misteriosas triangulações de sentimentos, ensejassem o riso na face do jovem antigo... pois também as derrotas são risíveis, isto é, fazem rir aos que não sabem, ou fingem não saber que a paisagem, inteira, sem nada tirar e nem pôr, é criada pelo olhar, e passa, passa... passa com o tempo, como passam todas as coisas, enfim.
[Como sempre, eu disse... sem nada dizer — miolo de pote!]
[Desterro, 22 de janeiro de 2012]