me preparo pra ser lançado violentamente à rua
junto com a fumaça, uma cusparada direta
dos brônquios acesos da viciada urbe
aos olhos injetados de um transeunte
e enquanto eu planava em queda livre
ela flanava vagarosa no ar
até se encontrar com as baforadas do ônibus,
da fábrica e do bar
dou um tempo e acendo um cigarro
a fumaça que expiro me faz pensar
que não é só a gente que consome o planeta
ela também fuma nossa existência
não é sua culpa, ela foi viciada
antes de você, de mim
da alma virar maço e ser industrializada
enquanto acesos
o mundo friamente nos inala
em compulsiva e dissimulada calma
consome vida e excreta fumaça
fotossíntese ao avesso
depois joga a guimba na praça
me torno também seu veneno
pessoas fumam diariamente
eu causo dependência, asma e pigarro
pra não ser tragado rapidamente
mas prefiro ser o prazer de alguém
do que o catarro escarrado pelo mundo
na cara de um zé ninguém
e enquanto não me apagam
e o mundo não morre de câncer
no esfumaçado céu sem estrelas
espero, queimo teimosa e lentamente
um cigarro amargo apenas
ardendo em brasa indecente
estuprando pulmões
se alimentando do alheio ar
esperando o beijo molhado
da próxima boca
que irá me tragar
Made in ABC-SP, reporteiro, poemista, barfly, marginal do audiovisual, amante das artes em geral.
@reporteiro