Poemas : 

Sob epígrafe de António Maria Lisboa

 
As formas, as sombras, a luz que descobre a noite
e um pequeno pássaro.

António Maria Lisboa



1.

tudo existe
tudo se manifesta
rente à pele dos sentidos

tudo
ou talvez nada

tudo como reflexo
aparência

ilusão


2.

no entanto
a sombra presa às paredes
ao chão

a sombra
a invenção da palavra


3.

pela noite acordo a luz
que as sombras pronunciam

acordo
como se descobrisse
os dedos

os dedos
com que se tece a maçã
de cada demanda


4.

e um pequeno pássaro
esventra a noite
criando a madrugada

canta a forma
a sombra
a luz

canta o eclodir de um poema



Xavier Zarco

 
Autor
Xavier_Zarco
 
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Enviado por Tópico
GeMuniz
Publicado: 23/01/2012 12:18  Atualizado: 23/01/2012 12:21
Membro de honra
Usuário desde: 10/08/2010
Localidade: Brasil
Mensagens: 7283
 Re: Sob epígrafe de António Maria Lisboa
Olá, Xavier.

O seu poema é eminentemente belo, o que mais dizer? Ao lê-lo de chofre, primeiro o senti muito por dentro sem entender. Depois, numa segunda leitura, o compreendi intelectualmente e me admirei desse universo de todas as coisas que chega à única e particular criação de um indivíduo que é o seu universo. Isso gera uma completude, uma satisfação à leitura. A minha experiência pessoal de tantas leituras sempre me mostra que quando acontece do poema chegar-me dessa forma é porque ele é diferenciado e toca mais a fundo.

Abraço,

Enviado por Tópico
Xavier_Zarco
Publicado: 23/01/2012 12:29  Atualizado: 23/01/2012 12:29
Membro de honra
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 Re: Sob epígrafe de António Maria Lisboa
Camarada GeMuniz,
Grato pelo comentário. Este pequeno ciclo é mais uma daquelas coisas com que me tento aproximar do que julgo ser a via para o conhecer. O poema surge após a percepção da forma e da sua representação em sombra para que então, em nós, a luz como palavra o torne possível. Já não escrevia há bastante tempo pelo que o retirar desta citação de António Maria Lisboa das páginas do "a explorar" me soube bem.
Um abraço
Xavier Zarco

Enviado por Tópico
João Marino Delize
Publicado: 23/01/2012 13:08  Atualizado: 23/01/2012 13:08
Membro de honra
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Localidade: Maringá-
Mensagens: 1977
 Re: Sob epígrafe de António Maria Lisboa
Antônio Maria Lisboa, foi grande poeta português
Nasceu em vinte e oito e morreu em cincoenta e três

abraços

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 23/01/2012 13:42  Atualizado: 23/01/2012 13:42
 Re: Sob epígrafe de António Maria Lisboa
Teu belo texto me lembrou o “doce Aristóteles” ... que amo. Seria mais ou menos “ nada se pensa que antes não tenha passado pelos sentidos de alguma forma” (sombras ). O poema faria esse caminho (mesmo inconscientemente) e as palavras revelariam a primeira sensação culminando com a nova sensação... ocasionada (fruição) pelo processo criativo e a própria criação. E assim sucessivamente...

Desculpe a divagação, mas busco sempre “algo” em tudo que leio... e se aprecio , re-invento numa singela interpretação(meu particular entendimento). Por isso que dizem que o autor cria e o leitor recria...

Parabéns e obrigada pela partilha.

Abraço,ALICE

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 23/01/2012 14:19  Atualizado: 23/01/2012 15:10
 Re: Sob epígrafe de António Maria Lisboa
Zarco, o que me chamou a atenção e que evocou essa minha parca interpretação, é que; o poema se auto desenha surrealista, bem na vanguarda como do poeta apontado, e assim, sincronizado nessa contemporaneidade; o que não tira de forma alguma, ao contrário, sustenta, a sua singularidade de autor. Com diz ele numa carta a Mário Cesariny, que a «Surrealidade não é só do Surrealismo, o Surreal é do Poeta de todos os tempos, de todos os grandes poetas...
um abraço caRIOca
zésilveira

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 23/01/2012 17:13  Atualizado: 23/01/2012 17:13
 Re: Sob epígrafe de António Maria Lisboa
BELÍSSIMO, ENCANTO

MARTISNS

Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 24/01/2012 22:29  Atualizado: 24/01/2012 22:29
Membro de honra
Usuário desde: 25/01/2009
Localidade: Pouso Alegre - MG
Mensagens: 18598
 Re: Sob epígrafe de António Maria Lisboa
A vivência da emoção redimensiona a poesia.
Tamanha profundidade, resta-me apenas agradecer.
(obrigada) bjs

Enviado por Tópico
Xavier_Zarco
Publicado: 25/01/2012 09:09  Atualizado: 25/01/2012 09:09
Membro de honra
Usuário desde: 17/07/2008
Localidade:
Mensagens: 2207
 Re: Sob epígrafe de António Maria Lisboa
Camaradas,
Peço desculpa por não responder individualmente.
É por alguns detalhe aqui expressos que gosto disto. Se a minha leitura do poema era uma, hoje tenho outra. Só tenho a agradecer.
Recordei-me de uma crítica sobre um dos meus livros em que se apontava o recurso a um determinado tema e que, pela natureza desse tema, tornava o livro passadista e, inclusive, contaminado ideologicamente.
Na altura, respondi que tal não era assim. Existia uma componente estrutural que sustentava uma certa contemporaneadade, bem como um afastamento do eu-poético, este simplesmente observava e reportava essa observação.
Recentemente li esse livro (coisa rara, dado que não gosto nada de ler o que escrevi após a edição) e encontrei exactamente o que a crítica na altura mencionou. Ou seja: meia dúzia de anos após, eu, que dizia: não, nada disso; hoje sou bem capaz de dizer o contrário.
Grato,
Xavier Zarco

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 27/02/2012 12:42  Atualizado: 27/02/2012 12:42
 Re: Sob epígrafe de António Maria Lisboa
Gostei desta epígrafe (ou alusão a) dum poeta que passou por aqui fugazmente (só viveu 25 anos) mas marcou na sua geração. Corre por aí uma silenciosa polémica de quanto a sua influência existe em poetas que com ele conviveram. A raiz da polémica é mesmo se alguns desses poetas não usaram alguns dos seus poemas não editados.
Porquê ler hoje António Maria Lisboa?
Para mim o surrealismo nem sempre foi fácilmente discernível na poesia. Qualquer alteração de lógica, realidade, etc é surrealismo? Mas na poesia de António Maria Lisboa, talvez porque estava muito perto da criação deste movimento, entende-se o que é o surrealismo, não o entendendo. Entendemos isto é isto. Mas não deixamos de perguntar o que é isto.
Um espantoso poeta. Tudo é puro nele. Toda a poesia que escreveu e publicou é sua.
Mostrou também as vantagens da publicação de livros. Mesmo que fiquem ao pó no esquecimento, um dia alguém pegará neles.

Um abraço,
Carlos Teixeira Luís.