Tudo o que sabes de mim
Transparece das minhas palavras
Inodoras
Dos meus silêncios afogueados
E insolentes
Da aspereza dos meus olhos
Que buscam o longe e o nunca,
Da rudeza insana dos meus questionamentos
Pusilânimes,
Das dúvidas que adormecem
No exacto sítio onde me deito
Para sonhar que ao raiar da aurora
Outro serei neste que sou
Para sentir-me irmão dos sem família,
Pastor dos sem guarida,
Mestre dos sem futuro,
Arauto dos sem voz,
Amante dos sem memória,
Melodia daqueles a quem os hinos
Soam a trovão e tempestade,
E as avenidas largas amedrontam
Como se o mar das incredulidades
Os tomasse por inteiro
E os quisesse submergir em revoltadas ondas
De tristeza e mágoa.
E mesmo isso tudo que sabes dizer
De mim
Não diz de mim o que sou
Apenas simula dizer o que aparento
Nas horas fugazes em que me dou
À crueldade de me esventrar
Para zurzir os fantasmas que me perseguem
Sempre que me persigo
Para encontrar por dentro do verdadeiro eu
O lado terreno que aspira ser céu
E o lado malsão que augura ser
Navio fantasma a cruzar todos os mares oceanos
Por onde os antigos galeões negreiros
Rasgaram os pontos cardeais
Para tocar as feridas de todos os homens livres
Até que derramassem o sangue virginal
Da epopeia dos filósofos e dos argonautas.
Ser não é apenas ser!
Ser é concatenar no tempo e no espaço
A memória que o futuro escreverá
Nas asas dos sonhos porfiados
E nas lágrimas que enchem os poços e os algares
Que irrigarão os campos e as charnecas
Onde as flores darão frutos
E a vida se tornará eterna!
Quando eu e tu atingirmos o zénite
É provável que me possas reconhecer
Até na sombra que se desenhar à minha passagem!
Hoje, agora, contenta-te em ser aprendiz de feiticeiro
E lê nas linhas o que apenas as linhas dizem;
O mais é segredo a desvendar quando eu te disser
Quem sou!
Em 26.dez.2011, pelas 11h45
Escrever é uma forma de estar vivo!
Paulo César