Poemas : 

Ezekiel e a Tenda de Estrelas

 
Passagem do conto da Cronicália: "Ezekiel e a Tenda de Estrelas"

Conheci um povo que mora em tendas feitas do céu estrelado, só é possível encontra-los quando uma lamparina se acende de dentro de alguma das tendas ou quando algum gato ou coruja nos mostra o caminho.
Apenas é convidado a entrar na tenda aquele que nunca acreditou numa estória, e eu já fui uma destas pessoas.

Mas não vou contar minha estória
Prefiro contar o que se sente dentro e fora da tenda
Tão pouco importa a estória daquele que não acredita em estórias
Não começa nem termina
Só nasce pra morrer sem graça alguma da vida
Só serve para explorar jardins sem conhecer florestas

E eu sem morder nem cheirar
Passava a vida dormindo acordado
Sonhando com promessas e chaves para a liberdade
Quebrando janelas de escritório
Enquanto via o mundo pagando por ruínas

Pagando por promessas

Atestados solitários de desculpas esfarrapadas
Pássaros enjaulados cantarolando liberdade
Lutando junto ao vício do preconceito
Custando-lhes a busca da liberdade;
E o sonho de ser feliz
A conquista de esforços rastejantes
Que por mero acaso de algo lhe nomeia perito
Hasteando a bandeira da responsabilidade bem vestida
Em nome de um progresso morto e vingativo
Seco dentre os livros
Queimado com florestas
Torrado como as cobras e os ratos

Jaz na velha candeia da gratidão e do Amor ao próximo;
Toda felicidade prometida de alguma época;
Toda a superstição perpétua
Os enigmas da morte
As respostas sobre a vida
Respostas que vendem perguntas
Perguntas que pedem socorro aos que vendem respostas
A compostagem da convivência
Aonde por fim tudo se extingue;
Aonde por fim Tudo renasce.

Mas estes pensamentos me surgiram fora da tenda
Pois os ensinamentos transmitidos nas tendas estreladas são honestos como o vento
E nos damos conta de sua consequência depois que ele passou;

As tendas cheiram a frutas estragadas, sândalo e graveto decomposto na terra molhada.
A iluminação é alaranjada como que de uma lamparina de moranga
E sombras dançam como se surgissem da luz de relâmpagos de tempestade alguma.

Quando entro na tenda ouço o som do deserto
Sinto o cansaço de uma longa caminhada
A sede da boca cheia de areia;
Trazendo de longe um leve salgado dos grãos que um dia habitaram o mar.
“Até o deserto convive com lembranças”
Camelos sonolentos...
...passos esperançosos das caravanas.
O Sol testa meus valores cozinhando minha pele e meus órgãos
A Lua enobrece minha alma, deixando-me pequeno como um rato
Silencioso como a coruja
Desperto como o dia

E como se não bastasse o meu cansaço já vindo de lugar algum
Dentro da tenda por detrás de uma canga pendurada como cortina encontro uma ladeira que me sorri descarada, e diz chamar-se Morro do Inhame.

Sentado numa pedra está um homem com chapéu de três pontas que esconde seu rosto, segurando uma placa onde está escrito:
“Devemos subir morros antes de contornar destinos”

Senti que fiquei com cara de inhame
E fitei o morro;
Apontando para o céu
Aonde o topo não se vê.

Quase parece que não existe um aonde
Mas o “aonde” está lá

E depois do aonde tem uma ladeira que desce
Como as costas de uma sereia
Como uma gota de suor...
...No oceano de um morro pelado;
Que abriga um céu cheio de estrelas;
Um sol sem sede e sem dó;
E nuvens amigas de um descanso ligeiro,
Sob a modesta sombra da goiabeira.

E ao sentir o gosto do suor, lembrei sem saber e sem lembrar que somos feito da mesma matéria que o mar.

Levado pelo vento
Chego ao Aonde
E o Aonde mostra o dorso da sereia
Aliviando meus tormentos
O Aonde é o topo da bela vista
Que me liberta da cidade
Que garante a minha paz
Que afasta os solitários do medo e da solidão
Traz esperança aos sonhadores
Mostra os valores e os coloca em jogo aos pecadores de si mesmos;
Dando assim aos desperdiçadores da vida a chance de não se perder mais.


Bruno Prata



Bruno Prata

 
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BrunoPrata
 
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