Faço uma ode à palavra, sempre elas e as letras delas, e como dançam juntas em frases de efeito que afetam a seta no meu peito e acertam o alvo. Sempre elas, amarelas, as palavras acácias penduradas sobre minha cabeça, a ponto de cair. Colho-as, cubro-as de rubores de esconder a frondosa que explode em toda parte. A palavra que desperta no surdo momento, que atirada vem com sons bailosos, e libera minha obsessão. Obsessão de decifrar a palavra e cada uma de suas curvas e nuances, de captar as entrelinhas e as estrelas de cada uma delas, senhoras majestosas cuspidas pela deusa em minha cara careta. Palavra-enigma que sempre é, e não importa de onde vem – repito-a, decoro-a e planto-a em mim para que me constitua também e me chame de filho ou de parte. Palavra que compartilho, deixo escapar em murmúrios e sussurros de mim, fantasma anônimo de todas as orações de fé. Faço uma festa com cada brilho de palavra, uma festa em outra dimensão, na qual sou palavra também. Sou todas as palavras que cravei em mim, e as que me atiraram e seguiram certeiras. Sou todas elas pairando no céu de palavras, no céu que é também jardim. Brilham resplandecentes todas as luzes que me ascendem para ti, palavra. Monumento de qualquer coisa, não há vida minha sem ti. Minha sina é de letras tortas em linhas retas. Serei também palavra incerta quando explodir aqui nesse céu-jardim. Dá-me fogo palavra, o fogo que mata sede, que é sede de fogo e de queimar gargantas de repetir palavras palavras palavras, em delírio de tambores que também são palavras, e toda manifestação e dança e a nação mágica que trazem-me, sinuosas palavras. Não tem língua essa palavra, é a massa matéria de toda língua, é uma junção de som e letra que pinta desenha espaço em branco e é o deus criador sempre. Cada espaço que preencho com palavra, solidifica uma imagem que é monumento da palavra, e que dá a ela os poderes de flecha e a manda voar, para a senhora das energias. Senhora de cujas tetas pingam as palavras, cuja seiva do sexo também é palavra que sorvo. Palavra que dá prata para a lua que a come devagar, enquanto pensam, que a ocultam o sol ou a terra, é a própria lua que se come em palavra, se auto-devora e vomita-se em luz. A lua entende a palavra, é ela uma palavra linda que chama no começo e brilha no fim escuro, bem ela. Às vezes a palavra lua também é arrepio. São aqueles buracos todos que a lua tem, suas cicatrizes de orgias vorazes de devorar-se – esquece sempre um pedaço de si em si mesma, e pode um dia acabar não vomitando nada, e entrando completa dentro de si, e compreendendo o que é ser lua e vibrar lua e assombrar-nos aqui. Eu toco fogo em você, palavra, quero que queime e arda como faz em minha pele nesses buracos de mim também, que são poros e não me devoro. Nunca me devorei. Vou. Vão me dizer que o canibalismo é uma espécie de pecado duplo, porque parece matar e ser gula. Mas é sempre o mesmo eu, eu próprio que faço. Se mato, é pra renascer. Se como, é pra vomitar.