Sempre tive um certo fascínio pelas máquinas de escrever. A primeira que vi, morava na casa dos avós da minha grande amiga de infância. Não era fácil chegar-lhe perto e muito menos convencê-la a deixar-me escrever qualquer coisa nela, visto que a mesma era pertença do seu avô, ao qual, se tinha um respeito que era do mesmo tamanho do nosso medo.
Majestosamente pousada em cima de uma velha secretária, ladeada de prateleiras, de onde, sorridentes, nos acenavam os vistosos fascículos de banda desenhada do "mosquito", meticulosamente encadernados, ostentando com orgulho o zelo do dono, como que a chamar-nos - Hei! Nós estamos aqui à vossa espera cheinhos de histórias para vos contar, porque não nos vêm buscar aí para o pé de vocês? - Pareciam querer dizer-nos. E nós a um canto, desinteressadas do "mosquito", tentando ganhar numa amigável disputa, a maior porção de feijões que o loto nos pudesse oferecer. E a máquina de escrever, silenciosa, sempre a fitar-me de soslaio...
Costumávamos entreter-nos por ali. Entre o sótão e a varanda que dava acesso ao quintal; um corredor largo, coberto por uma parreira verde e de onde pendiam, para além das uvas já com pintor, umas grossas cordas verdes que suspendiam o baloiço onde me podia deliciar por todas as vezes, em que, ao longo do ano, me apeteceu tanto, mas tanto...
Ao fundo, o poço. Por sobre o qual, uma bica cristalina corria sem cessar. Renovando a água onde as rãs se escondiam por debaixo das folhas que escureciam o fundo, quando já não lhes apetecia mais fugir das nossas irrequietas mãos, que, teimavam em as querer agarrar da beira do muro, para onde alegremente pulavam de vez em quando.
Aquele quintal era a "rua" da minha amiga ( a austeridade do avô assim o decretara). E eu, a borboleta que esvoaçava em liberdade, mas que secretamente sonhava com uma máquina de escrever.