SE O DIA CHEGAR
PARTE I
De volta pro passado
Capítulo I
1
“Vamos fugir daqui... meu pai... ele nunca aceitará nosso amor...”. As janelas do carro estavam abaixadas e Pedro Felipe sentia o vento forte e gelado batendo contra seu rosto. O cheiro da mata dos cocais invadia suas narinas funcionando como um narcótico.
“Pela madrugada, me espere nos limites da fazenda”.
E as lembranças que ele conseguiu evitar por dez anos dançavam à sua volta, como pequeninos diabos perturbando seu juízo. Era o peso da culpa e do remorso que caía massacrante sobre sua cabeça.
Da estrada, Pedro pôde distinguir a cerca de estacas pintadas de branco__ os limites de Aguardente. Ali, bem ali, ele teria encontrado Rebeca e fugido com ela. Hoje poderiam ser uma família. Mas ele desistira e fugira sozinho. Nem ele, nem rebeca sabiam que já haviam sido descobertos por Antônio Cândido.
Naquela tarde, quando rebeca partiu cheia de planos, ele sentiu um cano de espingarda sobre seu pescoço. Antônio Cândido surgiu como que por mágica na sua frente.
__ Devia estourar teus miolos agora, mas__ sempre havia um mais, Pedro pensou não sabendo se sentia alívio, ou maior angústia__ padre João me convenceu que expulsa-lo da cidade era o suficiente.
Pedro ouviu a espingarda ser engatilhada.
__ Padre João garantiu que tu não mexeu ainda na minha filha, é verdade?
Pedro tentou balbuciar algo, mas o pânico da morte iminente o deixou sem voz.
__ Se não for, fala logo. Porque aí, tu só morre. Mas, se eu descobrir que Rebeca não é mais donzela, ela também morre, e por minhas mãos. Vai ser melhor ela morrer e virara santa que cair na boca do povo, manchando meu nome. Ainda terei a Rute pra me fazer companhia.
Pedro não duvidava que o fazendeiro cumprisse sua promessa. Não mesmo, aquele homem era um demônio!
__ Não! Eu nunca a toquei, juro!__ conseguiu dizer com firmeza, para sua própria surpresa.
Depois disso, o fazendeiro mandou dar-lhe uma surra que lhe quebrou algumas costelas, e o expulsou da cidade. Sempre ameaçando mata a filha se ele tivesse mentido e depois caçá-lo, para que ele nunca mais tivesse a idéia de fazê-lo de besta. Pedro foi embora. Mas, resolvera voltar. Não era mais um ”João-ninguém”, e precisava saber o que acontecera com Rebeca. Estaria casada? Odiava-o? Esperava sua volta? Não sabia, não podia continuar vivendo sob a tortura daquele remorso.
2
Quando José Inocêncio passou pela placa de “Bem Vindo a Engenho Novo”, sentiu uma atmosfera mais densa. Sabia que a cidade progredira muito, graças à cana e agora que o governo investira em veículos movimentados à álcool, e o negócio da cidade só estava progredindo.
Assim que ficou sabendo que herdara uma fazenda e um casarão em Engenho Novo, animou-se e agora iria conferir. Talvez deixasse as aulas de biologia e passasse a plantar cana!
Achou a cidade desleixada. Muitos trechos de asfalto estavam esburacados, os postes não iluminavam as vias públicas e o mato invadia o calçamento que também estava uma lástima.
Tudo aquilo contrastava com algumas belas mansões, supermercados... Era como se pobreza e riqueza andassem lado a lado. Um típico caso de má distribuição de renda.
Pelo guia que o advogado lhe entregara, acharia uma hospedaria na rua nova, número 09, ele virou à esquerda e viu o letreiro luminoso dizendo “temos vaga”. Deixou seu carro no estacionamento e entrou.
O piso era de madeira e estava muito bem encerado, existia um sofá de dois lugares em couro vermelho na recepção, uma escada logo após o balcão do recepcionista, após uns vasos de plantas uma porta de vai-vem, provavelmente levava aos fundos. Gostou da primeira impressão.
Não havia nenhum recepcionista, ele bateu na campainha, teve de fazer mais de três vezes até que alguém apareceu. Era uma moça franzina de olhar amedrontado, seus cabelos crespos estavam presos num rabo de cavalo, trajava calça jeans e camiseta branca contratando com sua pele negra.
__ Boa noite, ela o saudou sem firmeza.
__ Boa noite senhorita, eu gostaria de alugar um quarto.
A moça parecia nervosa. Talvez fosse novata e sentia-se ameaçada com a presença de um forasteiro. Ela abriu uma gaveta da qual tirou uma ficha e lhe entregou.
__ O senhor tem que preencher este formulário e pagar adiantado o primeiro mês.
Inocêncio pegou solicito o formulário e preencheu, marcou com um “x” a opção “quarto solteiro” e depois entregou o cartão de credito para a moça.
Ela efetuou o pagamento e devolveu-lhe o cartão junto com a copia do contrato e a chave do seu quarto.
__ Acompanha-me senhor.
Inocêncio pegou sua bagagem e seguiu a moça, ele ainda não sabia o nome dela. Pararam em frente ao último quarto, no lado esquerdo, o número sete.
__ É aqui. O café é as sete e o senhor precisando de algo é só ligar para a recepção, meu nome é Adelaide. Espero que tenha uma boa noite e aprecie nossa cidade.
__ Boa noite senhorita.
Ela já sumia no fim do corredor.
“Aprecie nossa cidade”.
Achava difícil, não gostou da primeira impressão que teve de Engenho Novo. Tinha a sensação que, se levasse adiante seu intento de mudar-se para a fazenda do seu tio, teria que abrir a mão para os corruptos do local.
Abriu a janela e foi para a sacada. A cidade estava engolida pela escuridão. Podia distinguir alguns sons vindos das casas, televisão. Mas, o que ele estranhou foi o fato de haver transeuntes, e ainda não era nem dez da noite.
3
Quando Inocêncio desceu para o café, pontualmente as sete, havia só um homem sentado à mesa, lendo um jornal. Devia ter uns trinta anos, cabelos castanhos crescido com as pontas encaracoladas, a pele morena, feições suaves, como de mulher, mas com uma rala camada de pelos que ia das orelhas até o queixo. Era magro e de altura mediano, quando ergue o olhar, Inocêncio achou seus olhos pretos um tanto melancólicos, principalmente por serem um pouco fechados nas extremidades externas.
__ Bom dia. __ cumprimentou-o polidamente.
__ Bom dia!__ Disse o outro se levantando e estendendo-lhe a mão__ Pedro Felipe Nogueira Silva, sou o novo hóspede.
Inocêncio sorriu, a voz do homem era bem grave e máscula, não condizia com seu rosto. Apertou a mão que lhe era oferecida.
__ Prazer, José Inocêncio Martins de Alcântara, também sou hóspede novo.
Ambos sentaram-se.
__ Sirva-se à vontade, o outro inquilino já saiu. É mecânico e foi cedo concertar umas engrenagens numa fazenda e nossa senhoria não comunga com os hóspedes__ ao que parece, não a vi ainda. Você, já?
Inocêncio balançou a cabeça negando. Pedro continuou a falar.
__ Com certeza não é de Engenho Novo. Pelo seu bronzeado, é do litoral, com certeza.
__ Com certeza vim do litoral, mas não moro lá. Consegui este bronzeado visitando os Lençóis Maranhenses, não resisti e acabei passando lá para apreciar sua beleza única, se ainda não foi, recomendo, é como se o paraíso fosse lá,e não no Édem.
Depois dessa conversa os dois hóspedes empenharam-se em devorar a refeição matinal. Só quando se encaminharam para os jardins, voltaram a conversar.
__ Então, senhor Alcântara, o que o traz a Engenho, mudou-se?
__ Não sei ao certo se fico. Meu tio era um fazendeiro da região e me deixou suas posses como herança. Vim averiguar, talvez continue seu negócio. Tudo vai depender das condições. E você?
Pedro lembrou-se de Rebeca. Queria tê-la encontrado ainda na noite passada. No entanto, seria perigoso, uma tentativa de suicídio aparecer na fazenda de Antônio Cândido. O certo era investigar a situação antes.
__ Vim atrás do meu coração. Há dez anos o deixei aqui e agora o quero de volta.
Inocêncio pareceu entender e não fez comentário nenhum.
__ Espero que tenha boa sorte. Agora vou procurar a casa que ganhei e depois visitarei a fazenda, qualquer dia venha comigo, conhecê-la também.
Pedro apertou-lhe a mão.
__ Então só nos veremos à hora do jantar. Espero que tenhamos êxito nessa jornada.
__ Amém!_ Inocêncio falou em tom de troça.
Os dois se despediram e seguiram caminhos opostos.
Apenas uma pessoa que usa a literatura e o cinema para fugir desse mundo cão. Escrever é apenas um ato e exercício de liberdade!
De minha autoria, tentei reunir na forma de novela causos que ouvi quando criança, mais para satisfazer meu ego que para qualquer outra coisa.