Sempre Eles, nunca Nós.
A culpa é deles que matam e vendem,
Nós não fazemos nada disso,
Nós não temos culpa,
Somos todos bons,
Somos todos filhos de Deus.
Nós não traímos, não mentimos,
Não roubamos mesmo quando roubamos:
Afinal a culpa é sempre deles...
Nada de termos culpa:
O mundo está ruim não é por minha causa,
Não ponham na minha conta os crimes que cometi:
Culpemos a sociedade,
O establishment, os feriados (os finados?),
O diabo, os extraterrestres, os astros,
O horóscopo, as moiras, o capitalismo...
Outro alguém que não seja quem eu conheça,
Alguém que eu inveje, melhor!,
Alguém que não esteja aqui,
Que esteja de costas.
O vizinho sempre está errado,
O próximo deve ser amado da próxima vez,
Hoje não, não nesse poema.
Meu Deus é melhor que o seu,
Mas eu te amo, te perdoo.
Minha descrença é mais inteligente que seu sentido pra vida,
Mas eu te perdoo pela tua ignorância;
Afinal Eles estão errados, nós não.
Eles escrevem livros ruins,
Eles fazem revoluções erradas,
Eles assistem televisão,
Eles não sabem amar,
E ainda leem livros traduzidos...
Nós, Nós sabemos de cor toda a Literatura,
Sabemos tudo, nunca estamos errados.
O povo que é burro,
As multidões é que são cegas.
Nós, todavia, somos inteligentes e superiores,
Por isso que fazemos tudo igual a Eles,
Vestimos as mesmas ideias,
Comemos as mesmas latas,
Usamos as mesmas drogas,
Engolimos os mesmos presidentes,
Assaltamos a mesma geladeira,
Sonhamos com o mesmo monte de dinheiro,
Resumimos nossa vida a ganhar na Loteria.
Obedecemos às mesmas Leis que eles escreveram...
Seguimos as mesmas regras,
Escrevemos os mesmos poemas,
Usamos os mesmos sinais de pontuação,
A mesma sintaxe,
Os mesmos sentimentos.
Não existem álibis, amigos.
A culpa é toda nossa.
Os méritos são todos nossos.
Só posso abrir os olhos dos outros
Abrindo apenas os meus;
Mudar o meu mundo para mudar o mundo,
Esquecer de julgar,
Lembrar de me lembrar do amor.