<br />Agora já estou morto.
Assim é melhor creiam-me. Até diria
Que prefiro êste mudo conhecer de raizes,
Êste gelado saber de sonho oculto
Ou submergida pedra,
A êsse perene repicar de sinos e mais sinos,
A êsse doce adorado crepúculo de outono,
A essa mínima flôr curvada sobre o lago.
Agora estou nu
Imerso em terra viva palpitante,
Com um pouco de seiva entre os dedos
E outro pouco de formigas pelos lábios.
Sinto como me chamam ai de cima as árvores,
Como se embeleza e chega a primavera ao mundo,
Como me vão gritando sua mensagem as cousas.
Porém prefiro estar-me, saber-me totalmente
imóvel sobre esta quietude de sombra e pranto.
Aqui, meus olhos ôcos vão olhando a tudo :
O passo dêsse cachorro que arranha a tristeza,
O pêso da lápide que cela meus séculos,
O rouxinol amigo que salta entre as fôlhas.
Aqui, tão quietamente, na eterna espera,
Hei compreendido a enorme, brutal sinfonia
Que o vento sepultado desperta nas aranhas.
Quando na vida era um homem, mas um homem.
Então, quando era, eu me dizia as vezes :
"Quarenta pazadas de terra é muita coisa
para tapar um só punhado de cinza;
demasiadamente pouca, para tanta terra."
Agora me sobra tudo. Só tenho um pequeno
Desvão de pó e turva madeira destroçada,
Aonde vou arrumando meus ossos, meus pedaços,
Nesta sempre noite de minha larga antevespera.
E lhes digo que prefiro êsse silêncio,
Êste perene e mudo conhecer de raizes,
A vossa desvelada melodia.
Creiam-me. Com isto já me sobra;
Com isto e uma neblina levíssima de chuva,
Com isto e uma gôta de nuvem chorosa,
Que se filtre e me chova nos lábios já ressêcos.
Rui Garcia