Passei pelo mundo
E me vendi fiado
Por algumas notas
Que nunca recebi.
Labutei grátis como voluntário
Para analfabeto valente
Que com a cartilha na mão
Só aprendeu a assinar o nome
E se deu por feliz.
Palestrei para uma plateia surda
Que aplaudiu com entusiasmo meu discurso,
Comentou-se depois que minhas palavras
Eram demasiada hipocrisia
E que nada do que eu dissera eu fiz.
Ajudei com amor pessoas necessitadas
Que catavam migalhas para sua refeição,
Depois tive sede e uma fome danada,
Mas deixar vazio o coração
Foi o que tão somente consegui.
Orei deveras pelos sacrifícios da humanidade
E me vi em profundo êxtase no meio do povo,
A ingratidão deixou-me em febril esquecimento
E meu pranto é testemunha do que sofri.
Minha devoção levou-me ao mundo dos sonhos
E pude compreender que a fantasia
Despe o seio das criaturas...
A metamorfose ocorre em qualquer hora
Do dia ou da noite...
Foi nesse mistério sincrético
Que transparentemente envelheci!