Contos : 

O Pássaro e a Raposa

 
 
-Mas você nunca quis sair daí? – Questionou a Raposa, fitando a gaiola na qual o pobre pássaro estava encarcerado, no alto de um poste com uma placa de informações lotadas de nomes em latim e dessas línguas de difícil compreensão.
-Por que eu deveria querer? Veja só, Raposa, aqui tenho meu alpiste, minha água e minha sombra. Não preciso trabalhar, como alguns pássaros de realejo que ficam bicando a sorte dos outros, e sequer preciso caçar como as aves de rapina. Tudo que tenho que fazer é ficar aqui, para que olhem e fotografem para os mais requisitados álbuns, arquivos e revistas nacionais. Depois para que digam o quanto sou belo e raro por ser um pássaro de corpo branco e asas escuras, e que sou o único de minha espécie.
Minha vida é essa, Raposinha. E não preciso de mais nada.
O olhar curioso da canídea de pelos fouveiros e o focinho negro como a asa do pequeno pássaro a fez refletir: “Será que sou rara também?”, porém logo respondeu para sua mente “Talvez eu fosse se soubesse voar.”.
-E voar? Você não sente vontade voar? Se eu tivesse um par de asas, jamais tocaria o solo. Não gastaria meu tempo em correr. Apenas em flutuar.
-Eu voo, tolinha. Veja só isto!
Então o pássaro bicolor abriu suas extremidades
num espetáculo circense e decolou 40 centímetros, e pousou como um anjo bíblico na trave dourada de onde partiu.
-Vê? Sou como qualquer outro ser alado. A diferença é que sou muito mais sortudo. Vivo bem com todas as regalias que podem ser oferecidas.
A Raposa caiu em gargalhadas. Risos de desdém e de ridículo. Retratou-se envergonhada, mas não arrependida de ter achada aquela situação cômica. Se aquela ave fosse sua caça, ela já teria conseguido engoli-la, sem muito esforço.
-Acha que isto é um voo? Acha que isto é liberdade?
O Pássaro se revoltou com aquela reação. Oras como um animalzinho terrestre poderia ousar fazer um comentário daquele? Desde quando um animal sem experiência alguma em levantar do chão poderia crer que era um especialista?
-E o que você entende sobre liberdade? Nem asas você tem! E acha que vive tão solta só porque não mora numa jaula? Suas barras de ferro são decididas por você mesma e pelo ambiente que vive. Você acha que pode fazer tudo o que quer? Se fugir da linha, também não terá comida ou água. Se não caçar, não come. Se invadir alguma fazenda, morre. Você é tão presa e limitada quanto eu.
A Raposa admirou-o com os olhos arregalados. Era verdade, ela era presa e limitada por correntes próprias. Seus limites também a seguravam.
Entretanto ela abriu um sorriso esperto na boca. Ela havia julgado a si própria. Não era novidade o que o passarinho comentara.
-Posso até ser limitada como você, Pássaro, mas ao menos eu tento me soltar e me expandir. Eu caço para mim, dependo apenas de mim. Não preciso de uma dona, que pode esquecer que tenho fome. Sou responsável pela minha própria vida. Já pensou se sua proprietária tem um acesso de loucura? Ela simplesmente pode acabar com você.
Cuido primeiro de quem sou. Mantenho-me independente como posso, e já que estou estabilizada, posso ajudar também; como retirar-te dessa jaula.
Porém você sequer quer sair dessa prisão. Você tem asas saudáveis e não quer voar. Não tenho asas, apenas minhas quatro patas, nem mesmo tenho uma total liberdade. Contudo, eu posso correr atrás disso todos os dias, porque esse é o sentido da vida: ir à busca de superar o que já foi delimitado por quem já trilhou por esse mundo.
Então a Raposa virou-se e correu pelas campinas verdes, as quais o Pássaro jamais tornaria ver de novo: sua dona falecera, e ele fora esquecido na gaiola até que a morte o tomou; em resposta a sua falta de ambição de ter sua liberdade em troca de um comodismo inútil.
Mas, como já é de se imaginar, os passarinhos sentem apenas uma coisa de cada vez, afinal, são pequenos demais (de coração e mente) para tratarem de vários assuntos ao mesmo tempo, e se ocupados, continuaram ocupados até que a negligência os ataquem.
E esquecem completamente de suas asas...

 
Autor
Sophie Wilde
 
Texto
Data
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1942
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 22/12/2011 21:05  Atualizado: 22/12/2011 21:05
 Re: O Pássaro e a Raposa
Belo conto, a raiar uma fábula.
Bravo, Poetisa.
Abraço.
João

Enviado por Tópico
Manoel1900
Publicado: 23/12/2011 16:26  Atualizado: 23/12/2011 16:26
Participativo
Usuário desde: 21/12/2011
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Mensagens: 18
 Re: O Pássaro e a Raposa
Tem uma excelente moral de historia.
e acredito que você deve ter notado,
que muitas das vezes nós temos as nossas
asas, más não sabemos usa - las.



Manoel Dantas

Enviado por Tópico
zzipperr
Publicado: 08/04/2012 18:10  Atualizado: 08/04/2012 18:10
Da casa!
Usuário desde: 24/04/2009
Localidade:
Mensagens: 304
 Re: O Pássaro e a Raposa
Muito bom! Uma narração que vai além da história,pois além da viagem trás um choque de emoção e reflexão...

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 29/09/2014 04:25  Atualizado: 29/09/2014 04:25
 Re: O Pássaro e a Raposa
alguns podem ser raposas outros pássaros,nem todos q são raposas podem ser pássaro e vice-versa, talvez o pássaro tenha morrido sem ver o verdade da tal liberdade, mas morreu feliz naquilo em q acreditava e é isso q importa, ser feliz naquilo em q se acredito,nisso consiste a verdadeira liberdade.gostei muito da sua narrativa.