Ela dançou pela noite alucinada
e fez de seu vestido uma bandeira,
vermelha em sangue e insanidade.
Verteu em rodopios suas entranhas
e forte e tão perdida nestes ares,
fez do seu grito reza braba aos quatro ventos!
De sede e de espanto fez a todos,
morrer à míngua de desejo e agonia.
Pisou mais forte o chão, bebeu cachaça,
e sufocou no peito aquela mágoa.
E valeria a pena se chorar por tal fulano
que não valia um só sequer soluço?
Dançou e foi em frente, que importava agora,
tanta palavra escrita nesses vãos desvelos,
se a vida aos pés se derramava inteira
e no seu peito, inútil coração batia?
Fez do asfalto seu melhor tablado,
dançou flamenca a dança, sapateou,
fez do suor seu mais silente choro
e rodopiou, e se esbaldou em fúria,
chamou demônios, exortou as tempestades,
clamou vingança e incendiou o peito,
queimou as asas, em volteios doidos,
e sem sandálias, pés no chão gelado,
lá desenhou seus passos mais bonitos...
A saia fez girar qual catavento,
exorcisando assim aquele amor
que era promessa nunca a ser cumprida.
E ao abraçar aquele que a seguira,
o fez com tal tempero e manha,
beijou-lhe a boca machucou-lhe a pele,
com suas unhas carmesim afiadas,
até ele gritar em uivos loucos,
qual lobo vendo a lua cheia...
Agora os sons da noite já cessaram
e só ficaram pelo ar restos de vida
e só ficaram pelo chão as marcas
e aquele velho nó na sua garganta
e as lágrimas amigas neste amanhecer,
as mãos vazias, a cabeça entorpecida,
e valsas tristes na memória de outros tempos
e flores que murcharam nos canteiros
e ainda aquele amor a machucar sua pele,
ainda aquele amor que agora despertava,
trazido inteiro pela luz do dia !