Crónicas : 

Viajantes

 
<br />Há viajantes que regressam as suas cidades para matar as lembranças e recuperar a vida, mas impossíveis os quatro horizontes de rostos conhecidos, induzem ás ciladas das vozes submarinas, numa fita mal gravada que leva a totalidade expressiva do silêncio...calo-me...mulher dourada do eterno pôr-do-sol , alaranjado teu colo lambido em luzes do entardecer.Peitos que apontam para janelas incertas, onde agonizam espiões, agarrados ao timão do próprio desejo.Ancorados numa poltrona confortável do – como tão tarde ?Sem dúvida a vida para eles morreu entre estes quatro horizontes de tijolos.E horizonte é uma palavra que sempre leva ao medo, de chegar tarde, de não saber ao tempo por favor, de na sua imensidão perder-se e trocar como o faço o “s” pelo “z”, e dar trabalho aos revisores, que juntos cabem hoje e uma mão, pois o revisor digital os substituiu, e escritas como as minhas em que “zes” e “esses” me confundem não confundem o revisor real que não revisa minha vida, seguindo trôpega ao encontro do indefinido.E se descobrissem algum prazer superior ao de olhar sobre, colos imaginários?Morreriam de frio, na sua própria e ardente agonia de tigres imaginários e domingueiros, que só descansam nas sextas- feiras que são feriados.Morreriam ? Sim morreriam se descobrissem prazer maior ao de olhar pelas janelas o espreguiçar da mulher em flor, abrindo-se em sorriso poético para a manhã que nasce.O frio aguarda mais além das mais além das pátrias mais além dos homens conhecidos e dos gestos.Sem surpresa, as pegadas te seguem sem imaginação e morrem quando descansas.Neste desvario de frase e pensamentos, é possível morrer de sinceridade, diante da descoberta de vamos sempre, de mentira em mentira, de morte em morte, recordando e vivendo, como diziam os mais antigos, nossos quintais crepusculares, nossos cachorros fiéis em amor e companhia, nossas pitangueiras e nossas ruas pessoais e intransferíveis, nossos prédios e desatinos de palavras, que nem sei a resposta, pois conservo os lilases no chão duro, e observo pelas frestas as moças sem flor que penduram crianças nos seios, e vêm pelas frestas, o velho adolescente, desvairado, procurando os horizontes de sua juventude.E o vêem encurralado contra a parede...louco...louco...de saudades de uma vida que não mais viverá senão em sonhos, senão ,nesta eterna improvisação de não saber o que fazer e o que dizer.
Mais além, procurando dar sentido em prosa aquilo que talvez fosse quase real em versos...Acorda não se vive de sonhos, e a morte é o indescritível para alguém que ama tanto em vida.Sexta feira em São Paulo, que te espera desvairada para sem pudor te apresentar suas, vielas e becos desconhecidos, seus perfumes sensíveis apenas aos que a amam, sua gente amável e os “desamados” desamáveis, seus meninos gentis e os meninos de rua que se alimentam de luz (como disse nosso Chico), espicham seus olhos famintos, de manhã, buscando o carinho da atenção, a tarde nossas pobres carteiras, que nada lhes darão além da droga de cada dia, seus restaurantes, cantinas e botecos, nossos árabes e nossos judeus , nossos japoneses, nossos teatros, nosso mercado, e nossos artistas de rua que “mabembam” sua arte, e principalmente nosso mais ilustre habitante, nosso carinho.Que meu abraço encontre o seu sorriso.
Carlos Said


 
Autor
Carlos Said
 
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