Poemas : 

Textos de Hermenêutica e Escatologia Literária para a Juventude (I)

 
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Não há quem, tendo um par de livros em casa, recordando algum professor e aula antiga, que, escrevendo dois versos num papel, não se ache, de imediato, um poeta. Essas palavras de tinta, muitas vezes escritas com toda a autenticidade profunda, inspiram não raras vezes a sensação no debutante, que aquilo é já um monumento literário. Qual o valor, afinal, destas experiências naive? Na verdade, existe uma confusão muito frequente entre a Pessoa Humana e o Autor. E se cada um tem o direito, a liberdade, o prazer, de escrever os seus versos, e que sob o aspecto humano isso deve sempre ser julgado como um acto inspirador, de reflexão, de criatividade, o mesmo não se passa em Literatura, quando falamos de um Autor. A Literatura é um corpo complexo, dotado de uma história de séculos, e se há nela um lado espiritual e contextual, ela obedece também àquilo que os gregos chamavam de techné, isto é, uma técnica, um modo de fazer. Um debutante, um iniciador da escrita, sem recorrer ao passado da Literatura, é como uma plena criança dentro de uma civilização requintada. Vejamos a coisa pelo outro lado – os estudiosos da Literatura. Muitos homens e mulheres, que leram bastante, que dedicaram muitas horas ao estudo desse passado, julgam-se, apenas por isso, serem já dotados o suficiente para se qualificarem de poetas, e bons poetas, e terão o mesmo empenho egocêntrico em defender o seu verso como Obra como os seus companheiros naive, iniciadores da escrita. O deslumbramento pelas referências, pela techné, torna-os com frequência dicionários e enciclopédias ambulantes, onde o poder do conhecimento inebria as suas tontas cabeças e, de um modo igualmente infantil, descarregam eruditamente monstros sem vida, abortos onde o lado humano desaparece quase por completo. Estes dois grupos de frequentadores da escrita, a criança iniciadora na civilização requintada que desconhece, o erudito estudioso parindo a sua vontade de poder em letras mortas e referenciais, são tipos perfeitamente identificáveis, com uma psicologia própria, com complexos de inferioridade e inadaptabilidade reconhecidos. Mas nem tudo é mau, em ambos os grupos. Os iniciadores naive da escrita, têm como possibilidade, ao não terem presente a chancela do Autor e o que isso implica em termos de abnegação individual, uma comunicação mais humana, que pode gerar amizades ou ódios, dependendo da cabeça, do coração e do fígado de cada um. Por sua vez, um estudioso erudito, se encontra um outro seu par, pode com facilidade inventar jogos e códigos de milhares de anos de literatura, numa espécie de recriação intelectual inútil para a vida e simbolicamente fechada, que pode ser tanto hermética ou divertida, como o fizeram Jorge Luis Borges e Adolfo Casares, inventando artistas inexistentes e falando criticamente das suas obras.
Existem, creio, várias gradações entre estes dois grupos. Semi-Eruditos que viveram o bastante para escrever coisas com vida, Iniciadores da escrita que, sem ter passado anos em bibliotecas, conseguem por várias valências próprias (poder de observação, agudeza mental, absorção total do pouco que leram, etc) criar coisas de digno valor.
O papel da juventude literária, assim, deverá ser, a meu ver, evitar os excessos. Estudar com disciplina o passado, sem o tornar fetiche referencial, viver o bastante, o devido em cada ano e idade, para que cada palavra possa insuflar emoção. E, sobretudo, não viver segmentadamente esses dois mundos, mas trazer a literatura para a vida e a vida para a literatura.

Nesse crescimento, acrescento, o melhor é experimentar. E aqui vale tudo. Aos dezanove anos, sair pela rua de chapéu com dois livros e ter o ar de quem vai mudar o mundo é excelente. E também seleccionar. Tudo se aprende com os melhores. Não devemos ter medo de quem escreveu monumentos, foram homens como todos os outros – não há uma linha de literatura possível sem conhecer de perto os clássicos.

Não há paternalismo algum nisto que escrevo. A juventude literária é de quem eu espero tudo. E não de homens já gastos, cínicos e treinados. Dumas falava que antes dos trinta anos é bom, porque a juventude pode não estar já corrompida. Dostoievski que viver depois dos quarenta é uma cobardia. Foram os jovens hominídeos que ensinaram o fogo aos velhos da tribo. A responsabilidade é muita, não falo sequer dos ventos do mundo de hoje. Toma também sobre ti esse peso, sem medo.

Cria a Juventude Literária Portuguesa.

Vive.
Estuda.

Cria.



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joão_sete_dentes
 
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