A tez quase caqui da sua pele era tão estranha como natural. Era quase como se fosse um militar inato tal era a cor que lhe vestia a cara.
O magrebino muito facilmente gerava desconfiança entre os transeuntes pelo seu aspecto... a fobia é americana mas parece que o resto do mundo também o é.
- Qué frô? Barato, barato! - dizia para as pessoas que o ignoravam ou, na maior parte das vezes, regateavam sem a noção de que aquilo era o ganha-pão do homem. O seu mau domínio da língua, que tentava, não ajudava e já lhe valera a alcunha de Quéfrô...
- Aí vem o Quéfrô! - diziam
Ao menos era tolerado pelos porteiros da noite que lhe cobravam uma boa meia dúzia de rosas quando a situação lhes era favorável... para o engate de ocasião, bem entendido.
Se era mais um daqueles ilegais? Bem, ele até nem era totalmente ilegal. Tinha visto temporário de turista (turista!! Que piada). Não lhe dava permissão para comerciar mas, como ninguém lhe dizia nada, lá ia ganhando uns euritos, poucos, insuficientes e mais do que o que fazia em terras mouras.
Em Espanha sim, estivera completamente ilegal. Vindo de Marrocos, era um salto arriscado mas fazia-se. O que interessava é que não fosse apanhado pela Guardia Civil... e muitos eram-no. A situação desses ficava insustentável e deveras difícil ao serem deportados de regresso. Sem dinheiro (o pouco que haviam poupado tinham-no dado aos engajadores ou aos donos dos botes), com o orgulho (coisa maior para qualquer filho de Alá) moribundo e mal vistos pelos nativos que nunca saíram, poucas hipóteses tinham de refazer a vida num país que passara de pai a padrasto.
O Quéfrô, apesar da sua origem, religião e aspecto, ganhara um espaço e tinha um certo encanto, que acabou por se ir sobrepondo à desconfiança geral. Talvez fosse aquela paciência, a calma, a capacidade de suportar as piadas e o gozo dos outros sempre com um sorriso envergonhado... como se não percebesse. Era a sua forma de manter alguma dignidade e, no fundo, de ser tolerado.
Um dia, ele, não apareceu na rua dos bares e das discotecas. Teria o seu visto caducado? Talvez. Ou talvez, como um D. Sebastião mouro, tivesse desaparecido no nevoeiro de uma noite qualquer.
Valdevinoxis
A boa convivência não é uma questão de tolerância.