É Natal.
Atarefadas, as famílias tagarelam nos corredores e nas filas dos supermercados. As listas de parentes premiados com ofertas vão sendo cada vez mais reduzidas. Numa cumplicidade um pouco acabrunhada mas necessária, os casais fazem contas aos trocos e o azar vai para quem tem crianças.
O tempo da lembrancinha simpática para o guarda-nocturno, acabou.
Preparam-se as ceias. Que haja, pelo menos, para encher as barrigas e passar alguns momentos de suposta alegria. No dia seguinte, haverá tempo para retornar à amarga realidade da falta disto e daquilo. Das contas por pagar. Dos sonhos adiados para quando puderem acontecer.
A chuva escorre pela janela e ensopa-lhe as mangas da camisola coçada.
De vez em quando, estica os braços magros, dormentes, para desentorpecer. Lentamente, num ritual repetido, volta a apoiá-los no parapeito da janela fechada por onde a água da chuva entra e faz pequenas poças na madeira gasta, antiga.
Dali vê-se o passeio. Os galhos das árvores sem folhas, negros no recorte do céu cinzento parecem soltar gritos de dor por se verem assim, nuas.
Chamam-no lá de dentro.
Anoiteceu e há muito que a chuva parou. É a hora da ceia...A lua, sorridente, brilha no céu estrelado.
As mangas coçadas, molhadas, servem agora para limpar as lágrimas de mais um Natal passado naquela janela, à espera de sua mãe.
Talvez venha no próximo.
Incipit...