Maria chutou um seixo que rolou pelo declive da rua a enrolar-se no tapete de folhas caducas e perder-se na bruma que abraçava o amanhecer. Percorria o trajeto de sempre a caminho da escola, mas naquela manhã os pés pareciam estar amarrados a uma âncora. Dos seus pequenos olhos de cor amêndoa escorriam elipses de tristeza e as suas frágeis pálpebras encerravam o mar, como se fossem comportas de uma barragem.
Nos anteriores anos escolares, Maria havia sempre conseguido ficar doente na primeira semana de dezembro, mas agora que frequentava o 4º ano tinha prometido a si mesma enfrentar aquele desafio, ainda que as memórias lhe trouxessem o paladar cru a sangue.
Foi a última a atravessar a porta da sala de aulas e dirigiu-se ao seu lugar, sob os olhares distraídos dos seus colegas, sentando-se em silêncio.
- Bom dia meninos! – exclamou em sorriso a professora.
- Bom dia professora Adriana! – responderam todos num alegre e agudo tom como um silvo do vento.
- Hoje, quero que cada um leia a carta redigida ao Pai Natal. – disse a professora. Quem quer dar início?
Maria levantou-se, percorreu a sala fechada num manto de quietude, colocou-se diante da turma e, sem qualquer carta entre as mãos para ler, murmurou num fio de voz doce e trémula…
Sabes, Pai Natal, apesar dos meus tenros nove anos de idade, não me lembro se alguma vez acreditei em ti. Sim, sei que já deves estar a fazer caretas, a coçar essa barba branca e suspirar por despir esse fato encarnado, em que tantos e tantos continuam a vestir-te, para distribuir chupa-chupas, rebuçados e balões multicolores em troca de uma fotografia ao teu colo, na confusão de luzes dos centros comerciais, mas esquecem-se dos meninos pobres a quem os homens da segurança sequer deixam lá entrar, talvez para não te sujar ou amarrotar o fato.
Mas não te aborreças comigo, Pai Natal, sequer revelei ainda qual o motivo desta minha descrença. Se tu existisses de facto, os meus pais hoje estariam à minha espera em sorriso ao portão da escola, no lugar de apenas viverem nas minhas frágeis memórias, desde que foram abalroados por um camião desgovernado e tudo o que restou intacto foi aquele presente de Natal selado com o meu nome.
Como já deves imaginar, descobri que não eras real tinha três anos, uma idade alimentada de sonhos e ilusões, da forma mais cruel possível. Mais do que negar a tua existência, passei a detestar-te, a não querer ouvir sequer pronunciar o teu nome. Por isso fiquei sempre doente no período de te escrever cartas a pedir casas de bonecas ou um outro brinquedo qualquer. Hoje disse a mim mesma que precisava de vir, dizer-te tudo isto que guardava aqui dentro no coração e dessa forma enterrar este ódio silencioso e poder voltar a sorrir apesar da mágoa.
Assim que terminou, Maria regressou à sua cadeira e a chuva precipitou-se aos seus pequenos olhos a fluir em abraço àquela que escorria aos seus colegas, como se fossem braços de rio a afluir a um mesmo leito.