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Quando Eu For Pó

 
Quando eu seja um punhado amarelento
De argila, leve, untosa,
Chegará teu andar lento
Até a solidão de minha cova,
E na urna fúnebre, furtiva,
Porás tua mão suave, fria
Para dar-me voltas
E não chegarás a fazer-me nada
Corcéis humildes, o lúcido floreiro
Nem a sombra de um morto
Nem a imagem de um vivo.
Oh ! Mão querida, de tal sorte
A apalpar esse frio, todavia
Não ausente, da morte.

Quando eu for pó, branca argila,
Me direi umedecendo de recordações;
Meus gelados despojos
Ficarão calados, mudos
À tibia maravilha
Das lágrimas vivas dos teus olhos.

E voltarei, a eterna mansão:
O infinito misterioso, insondável;
E tu me darás mil voltas
Me ungirás de esmaltes e brilho;
Não me encontrarás acaso
Nas labaredas de um forno ?

Oh! Pó de meus ossos.
Com um ardor sonhado
De apaixonantes beijos
Exaltarás minha escória.
Que se romperá ao calor, com forma de ânfora
E não terá na sua sede, a água de um rio
De um manancial, da chuva ou de um lago. Será pó de novo e em boa hora
Leve, sensível até o dormido alento,
Mais sensível que agora.


Rui Garcia

 
Autor
Rui Santos Garcia
 
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