Lugar ermo, sombrio, som gutural, cavo
de um córrego que escapa, por entre
barrancos altos, íngremes, inóspitos,
de uma grota escura e funda.
A água estreita-se em um valo cravado
de inúmeras árvores sedentas,
e mais abaixo, coalha-se de folhas podres
que a corredeira rápida revolve.
Eu procuro esse lugar tantas vezes visto,
tantas vezes visitados em outras horas mortas...
É destas águas que bebemos eu e o meu cavalo;
é destas águas que eu bebia ali, bem junto
aos focinhos dos arfantes bois de guia.
É para provar que sou sublime,
para demonstrar o meu amor
pelas causas dos homens,
para provar o quanto me comovem,
para provar o quanto valorizo a sociabilidade,
que eu procuro essas águas ermas...
Águas que parecem verter não da terra, mas do inferno
[se mais fundo, melhor, pois segundo Dante, o inferno é cônico].
Que eu desça aos infernos,
ou que os infernos venham até mim
cantarolando maldições nestas águas —
tanto faz, pois repito, tudo tanto faz!
Se não me comovem as lágrimas,
se não me comovem o riso, a dor,
se eu prefiro a face dura,
o que é que me comove?
Se me atrai, me incomoda;
e se me incomoda; me atrai:
pago para ver — truco!
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[Penas do Desterro, 26 de novembro de 2011]