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O NETO QUE NÃO ERA NETO

 
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Gê Muniz

O NETO QUE NÃO ERA NETO

Há certos dias em que fico propenso a volver meus olhos internos a um passado longínquo. Uma lembrança puxa outra e quando dou por mim já visto ao pescoço um colar repleto de recordações ordenadamente enfileiradas, como contas de pérolas. Dessa vez me vieram à mente as imagens de meu padrasto e dos pais dele - que eu não chamava de vovô e vovó por sincera vergonha de que essas palavras não saíssem muito redondas de minha boca, mas os considerava como tais -. Por não saber como melhor denominá-los chamarei o casal de meus “avós que não eram avós”. - Pois não é que, embalado nessas recordações, pulou-me do cérebro assim como salta um coelho da cartola, uma certa situação corriqueira de infância um tanto quanto mal digerida? Lembrei-me ornado em ricos detalhes que no dia do nascimento do netinho dos dois "avós que não eram avós" por parte do outro filho (o irmão de meu padrasto - meu "tiodrasto"), minha "avó que não era avó" saiu à minha frente com essa: - Estou tão contente porque nasceu hoje o meu primeiro neto homem! – Minha cabeça esfumaçou na hora. Não seria eu homem também? Não deveria ser eu o primeiro neto homem já que existia neste mundo com uns nove anos à época? Nas matemáticas de minha avó que não era avó, eu não entraria na somatória dos seus netos... Compreendi com uma emoção torta, insconsciente e não com a razão que, no conceito dela, eu era o “neto que não era neto”. E como rebate imprevisível à qualquer forma de rejeição uma criança, mesmo que de pequena monta... Confesso que após esse dia olhei-a de forma um tantinho mais indiferente, embora não menos respeitosa. Já meu "avô que não era avô", percebendo a inocente grosseria dela, interveio sem titubear: - Como você não tem neto homem, Emília, e o menino aí do seu lado? - Ela desconcertada devolveu-me um sorriso amarelo acompanhado de um aperto leve de mão nas minhas bochechas. Pobre dela. Como uma bomba de efeito retrógrado, apenas agora, tanto tempo já decorrido do fato, aquele gesto me comove o coração. Porque hoje entendo e sei que não houve por parte dela a menor leviandade mas a imensa manifestação de alegria pelo nascimento do netinho varão, sangue do seu sangue. Contrariamente ao sentimento dedicado à ela, foi justamente naquele mesmíssimo instante confuso e mágico que meu "avô que não era avô", passou a ser um avô de verdade em meu conceito. Pensando comigo aqui, ora homem feito (e até já me desfazendo um pouco), todos esses conceitos de consanguinidade não representam aos meus olhos qualquer importância. O que insiste diante à lembrança é um estranho aperto no peito, mais nada. Ah, vovô Flávio, quanta saudade de nossas partidas de xadrez e de ouvirmos ao rádio os jogos do São Paulo F. C. juntos. Descanse sua alma em paz. Minha vovó Emília, doce velhinha da fala mansa e de mão angelical para a feitura de doces deliciosos, tu és desde lá e para todo sempre uma legítima avó muito querida. Diante esse meu desalento, só espero uma coisa: haja a mínima possibilidade de algo de meu ressoar nos misteriosos ares do além, que por lá ecoem, não essas magras palavras, mas esse sentimento de carinho que nesse instante corta-me o estômago e que me é muito mais sincero que qualquer laço de sangue. Porque o passado muitas vezes não nos conforta, muito menos nos abraça; apenas sopra.

Gê Muniz
 
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Enviado por Tópico
rosafogo
Publicado: 07/12/2011 12:53  Atualizado: 07/12/2011 12:53
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 Re: O NETO QUE NÃO ERA NETO
Criança sofre e guarda a mágoa, embora o adulto pense que lhe passa depressa. Me fez recordar algo parecido (injustiça)que passou comigo.
Uma crónica excelente que adorei ler, nela muita ternura e também a saudade que germina em teu coração dos que partiram.

Muito bom, me comoveu mas me sinto leve depois de te ler, num bem estar que não sei descrever-te.

Bem hajas pela partilha.

Beijo
da natalia nuno