É ASSIM QUE ME DESEJODesejo-me com pouquíssima fé
– uma pequena réstia para suster a fiança no impossível -
e algumas certezas compensadoras
que me façam suportar as dúvidas infinitas
que me assolam.
*
Desejo-me quase nenhuma esperança
mas definitivas realizações
que nutram-me um anseio
de realizar mais algumas outras.
*
Desejo-me esquecer das aspirações
por um futuro melhor. Viver bem
é aceitar o que este momento
me oferece além do passar das horas.
Viver melhor é perceber-me na glória do meu tempo.
*
Desejo abster-me de ser quem sou
(ah, tantos pregam isso: "seja você")
a trabalhar pelo ideal d’ um ser melhor.
Presumir-me homem concluído limita-me,
Circunscreve-me a fronteiras tão estreitas...
[ Quem, em sã consciência,
tem a fieza de saber-se quem é,
de achar-se pleno e acabado no trato consigo?
Está aí um sentimento
para os mortos de espírito, para vaidosos incorrigíveis ]
*
Desejo pôr de lado todo o poder
que reputo que tenho.
O poder, mesmo aquele que me é conferido,
me comprime, me deprime...
[ Não mais consinto que sucesso na vida
é ter ou não qualquer forma de poder,
seja influência, dinheiro ou fama.
Das acepções de sucesso nada poderá vir
a não ser o sacrifício inútil
d’ um tempo escasso e valioso. ]
*
Desejo-me parar de pensar em verdades,
nas minhas verdades,
nas verdades absolutas,
em quaisquer verdades.
Verdades são passageiras,
conseqüências relativas de tempo e lugar.
Não brigar pela verdade, porém pela improvável realidade,
eis uma bela utopia que é coisa bem diferente...
Desejo-me a obter conclusões descartáveis
- as melhores que conseguir em dado momento -
e aplicá-las apenas no que é absolutamente necessário.
[ Amanhã é outro dia.
Surgirão novas
e melhores verdades... ]
*
A friagem de emoções surja quando tiver de surgir
e com propriedade sucumba o respectivo calor.
[ o contraste entre o frio e o calor
é tão necessário ao ser humano,
quanto o inverno e verão
são para a natureza. ]
*
Desejo-me não apenas a sorrir. Quando eu estiver a doer-me
por dentro, que eu apenas chore.
Chore muito, até não me agüentar mais.
Que se esgote esse pranto
até secarem as últimas lágrimas.
[ É desse pó pessoal que renascerá o meu sorriso,
não dos sonhos da constante alegria impossível,
não na repressão da necessária tristeza.
Desejo viver minhas tristezas com intensidade,
assim como minhas alegrias. ]
*
Seja eu valente o suficiente
para abrir mão de procurar sentir-me feliz.
Isso liberta mais que a pueril e passageira felicidade.
Toda exaltação traz os seus contrários.
Seja eu reservadamente tão disposto, quanto calmo.
*
Nada carece de dar certo na marra.
Perfeitamente pode não haver amor, saúde ou paz.
Não é preciso inventar o inexistente, diante algum vazio, alguma carência.
A ilusão forçada, antinatural :
Um salto livre do alto do vigésimo andar.
*
Não. Não desejo ver-me abençoado, bendito,
porém tranquilo e centrado,
pronto para movimentos de guerra e de paz,
para a melancolia e para a satisfação.
Sem gargalhadas. Sem afetações.
Desejo-me só a respirar e ter a sapiência de fruir do frescor do ar.
- Gê Muniz -