.
Alexandre bebia o incêndio do final de tarde a mergulhar às águas transparentes, como se o sol lhe rasgasse uma estrada de luz ao azul do mar e as suas ágeis mãos conduzissem a cadeira de rodas até ao infinito horizonte. Momentos como este traziam-lhe a certeza da verdade que uma voz lhe soprava dentro, sempre que fazia do silêncio refúgio – por mais barreiras que edificassem à mobilidade, jamais alguma seria capaz de lhe roubar a liberdade do ser e a possibilidade em ser feliz.
Uma voz desconhecida chegou-lhe em voo rasante, como se fosse ondulação a acariciar os grãos de areia da praia deserta. Alexandre suspendeu a íntima viagem e, ao abrirem-se, os seus olhos pousaram nas formas delicadas e maduras de um corpo de mulher, percorrendo-o até encontrar-lhe o olhar – e demorou-se àqueles olhos, como se o mundo ali se liquefizesse.
- Olá! Perdoe-me a interrupção, mas estava a observá-lo e uma curiosidade estranha entranhou-se-me na pele. Você escreve poesia?
- Poesia, eu?! Destas mãos saem apenas os movimentos que dão vida às rodas desta cadeira que suporta o meu corpo – respondeu Alexandre um tanto atónito e ainda preso ao fundo daquele azul cristalino.
- Oh… – murmurou a mulher no desabrochar de um tímido sorriso. – Sabe, há poemas a transpirar à tez do seu rosto, como se fossem braços de rios a afluir a uma mesma foz.