A pesarosa letargia da estática invadia as ondas do ar, numa ocupação mais fácil que pretendida. Nessa manhã, todo o povo acordou sem vida, numa indiferença causada pelo acidente do século: a coincidência. No fim da noite acabada, a fábrica de sonhos teve uma fuga de anti-matéria que mudou o mundo.
Primeiro, tudo parou. Não era paz, porque não existia calma. Depois, a paragem. Indiferentes à paragem de tudo à sua volta, os humanos descobriram o vazio e não reagiram, invalidando o seu propósito.
As conversas pararam. Depois o silêncio rumou a todos os lares, separando as mãos que a estática um dia colou na permanência. Não dominou, pela ausência de ser dominado. No fim, a insignificância cresceu e tornou-se o novo mundo.
O ódio parou. As armas pararam e a mão-de-obra emigrou para um fim de mundo. A violência cansou-se e morreu de pé, num sopro subito.
Depois, cheguei eu. Não sei como, porque ninguem me podia levar lá. Não era de noite porque o dia era tedioso e descaracterizado. Como não era dia, não procurei ninguém. Andei pela rua: não era escura nem clara nem se podia lá andar. No fim, adormeci e encontrei alguém cujo nome era demasiado indiferente. Esse alguém queria ir para lado nenhum e mostrei-lhe o caminho.
Ele agradeceu-me. Perguntei:
- Como? Porquê?
- Sou tão indiferente neste sítio, que até sou feliz. – Respondeu ele.
Revoltei-me. A crescente letargia que era agora falante fez-me pegar num machado e decepar uma árvore que chorou. Todas as plantas à sua volta reagiram em desaprovação visível, numa dança de ódio e intenção.
Perguntei:
- Como? Porquê?
Não obtive resposta passível de ser captada. Apenas senti o ódio animal deslocado demais para não fazer sentido.
Agora vivo na selva. Beijo as flores e elas beijam-me de volta. No fundo, procuro perdão, mas só encontro amor e maldade: pergunto-me onde anda o resto.
Pergunto-me onde sempre andou.