Tenho deuses e um milhão de adeuses,
Sofro de Leão desde que nasci,
E não apago as estrelas quando fecho os olhos.
Melhor ter sono que versos ruins
Dizem-me as olheiras, os amores, as preocupações.
E sem sono, olho gentes fingidas tingidas de vergonha
Dentro do meu estômago,
Que passam e me dizem bom dias,
Orações subordinadas a deuses,
Oração coordenadas a líderes ateus.
Não tenho nada a dizer
E mesmo nesse vácuo
Embalo versos sujos
E vendo-os nas esquinas
Por cifras zero,
Como aquelas que tocam em violões, pelas rádios.
Dentro de minha cabeça sinto águas,
Às vezes sons de riachos no crânio,
Lembro-me então do meu medo de ser parte do útero da natureza,
Medo de quebrar meu rádio, ou a alma da minha ulna...
Medo de ser frágil como meus ossos, meus sonhos, meus deuses.
Tenho tantas ideias,
Nenhuma delas entendo.
Apenas deixo fluírem
Como lágrimas de Adamastor,
Como labaredas d'Amor.
Sou insensível incenso que com seu odor
Difícil se torna de saber de onde vem.
Pra que vem? Realmente vem?
O dia e a hora todo mundo sabe
Ninguém sabe é porque vem...
Não deveria vir, afinal.
Minha poesia é grande azia
Que me queima até o fim do pavio.
Escrever versos são goles d'água
Que não me curam, nem me aliviam,
Pois continuo ardendo, continuo descontínuo,
Apenas alivio a pele quando escrevo.
Gota d'água em ferro fundido.
E o inferno persiste abraçado comigo abrasado.
Tenho hífen,
Tenho apóstrofos:
Não sou Cristo, não sou Santo,
Mas insisto em profetizar milagres.
Sou adeuses, não deus.
Sei que a casa da Poesia é longe da minha,
Mas temos parênteses que se encontram de vez em quando
Em alguma rima de galos.
Mesmo proibido por mim: escreverei.
Antes que eu morra e restem saudades e fios de cabelo
E ossos e unhas e dentes e roupas e documentos e dívidas...
Ainda tenho o poder de blasfemar minha religião
E essa é minha maior alegria:
Sorrir para fotos, sorrir para áugures, sorrir para demônios.
Essa minha azia só o fogo da poesia apaga queimando.
Ninguém se importa: ninguém se exporta.
Respire, inspire, asfixie.
É tudo que nossa liberdade permite:
Brincar na hora exata
Pra não correr o risco de ser criança.
Um dia escreverei uma carta endereçada a Tomás de Aquino
Perguntando-lhe porquês.
Gostaria de provar o sumo teológico de sua resposta.
Por enquanto Moinhos de Vento
E muitos, muitos cataventos.
Até que enfim
Batem os sinos,
Fecham-se as lojas,
Dobram-se as esquinas,
Guardam-se roupas,
Marejam-se os olhos
Por algum motivo
Desumano.
Já é tarde e precisamos trabalhar.
Eu, porém, só preciso de versos.
Só de versos, só de poesia,
De olhares por entre esquinas de versos,
Olhos marejados por poesias...
Mas isso é demais.
Melhor é ficar calado
Imaginando se você ainda chora,
Se ainda ri,
Se ainda tem sono,
Se morreu,
Se quer viver pra sempre,
Se somos mais desconhecidos confidentes
Que leitor e poeta.
Corro atrás de tudo, mas só preciso de versos,
Urgentemente, preciso de poesia.
Se alguém souber onde encontrar essa espécie de desencontro
Por favor, enviem-me cartas,
Enviem-me anjos,
Enviem-me fadas,
Enviem-me nuvens,
Enviem-me estrelas cadentes,
Mas não deixem de me avisar.
Preciso urgentemente de poesia
Pra tomar coragem e abandonar o barco.
Abandonar esse poema,
Que tanto me prende:
Tanta entrega,
Tanto sexo,
Tanta amizade,
Tanto amor,
Doença pra poucos doentes.
Não esqueçam de me avisar,
Preciso saber disso ainda que não entenda!
Pois sonhar com esse dia,
É tudo que tenho...
Essa espera, essa esperança,
Esse tremer diante do frio da geladeira,
E meu desprezo por relógios e datas de validade.