Quantos ontens já fazem?... Qu’importa? Parecia que o passado era bem ali, como ir na esquina. Na esquina? Ele lembrava do Seu José, bicheiro famoso da região, a quem sempre saudava com um “bom dia”, quando saia para o trabalho e com um “boa noite”, quando chegava. E o Seu Erasmo do Bar? Sempre atarefado, envolto com os bêbados que povoavam o ambiente, mas também muito firme e prestativo. Onde estaria agora D. Maria, cuja mercearia “Colombo” era uma das mais freqüentadas da cidade? E Seu Miguelino, da Padaria? Sempre com um sorriso largo e pão quentinho saindo do forno...
Pensava em como era tudo, em como era a cidade, em como eram as pessoas, em como ele era. Trabalhava nos Correios, andava a cidade inteira, conhecia cada cidadão, e todos lhe respeitavam. Não havia, do lugar mais obscuro ao palacete mais pomposo nada que ele não conhecesse.
Vieram os anos, vieram outras responsabilidades, casamento, filhos, idade, aposentadoria... O ócio, o vazio, as limitações. – O senhor não pode sair, dizia um. – O senhor só vai se for acompanhado, dizia outro. E ele, agora, tinha como campo para andar o interior de sua casa até o limite do portão.
O tempo passou... A limitação de andar apenas em sua casa (vivia em prisão domiciliar, sem ter cometido nenhum crime) o fizeram ficar mais vacilante em seus passos ao ponto de ter que se locomover de andajá. Mal andava, regrediram seus movimentos, sua coordenação motora estava comprometida.
Passou a viver sentado, a olhar o mundo como um mero expectador. Foi ficando invisível, invisível, invisível... Até sumir no esquecimento... E entrar nos domínios do passado.
(Danclads Lins de Andrade).