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Ainda há tempo
para o último drinque
à beira do vulcão
ou então
para abrir
o que estava oculto
no sótão ou no porão
por isto é o momento
de descerrar
o indiscernível
sim do não.
Ainda há tempo
de aceitar
a pequenez
e explicar a omissão
ainda há tempo
para a carta não escrita
o telefonema tardio
o pedido de desculpa
na garganta enrustido
e um afago na mão.
Ainda há tempo
para entender
o silêncio acre
de Beckett
a ironia espessa
de Ionesco
e de Kafka
a sombria alegoria.
Ainda há tempo
de nos quadros
de Hopper
encarar a solidão
ainda há tempo
de contemplar
os impávidos
cavalos rosas
de Paolo Ucello
na Batalha
de São Romão.
Ainda há tempo
para ouvir
um poema de Li-Po
e três versos
de Bashô,
ainda há tempo
para lembrar Ronsard
Withman e Drummond.
Ainda há tempo
antes que derretam
a calota polar
antes que se perverta
o DNA
antes que envenenem
os rios e
o que sobrou do mar.
A escuridão
pode esperar
ou dissipar-se
quando o dia
teimosamente
amanhecer
com o oboé de Mozart
ou com a área
na corda de Sol
de Bach.
Ainda há tempo
(gostava de pensar)
Se tempo, há receio,
é para tomar o trem
o navio o avião
ou então
ainda há tempo
para voltar do aeroporto
ou da estação
pegar o rifle
e enfrentar
a enfurecida multidão
ou simplesmente
entregar-lhe o ouro
e esperar
a hora da execuçao.
Affonso Romano de Sant´Anna, In: Vestígios, 2005.
Arte por Mihai Adrian Raceanu, Romênia, pintura surreal.