procuro em línguas mortas
em palavras raras
em expressões em desuso
em verbos irregulares
em flores que desconheço
e em climas que nunca tremi
explicações pro que vivo
e que talvez nunca entenda
mesmo tendo todas elas dentro de mim
como água
há rostos que sempre vejo
de pessoas com quem nunca falei
amigos reais
com quem nunca troquei palavras
no máximo olhares
mas que em gestos tímidos
e sinceros
dizem-me mais que tudo
- me encontro nestes amigos que nunca tive
sou um homem positivamente póstumo
morto antes mesmo de nascer
só estarei aqui quando já tiver ido embora
só serei visto quando não restar mais nada visível
pois sou riso no silêncio
vindo de um ente sempre anônimo
sem faces
braços
relógios
pulseiras
sangue
mas que tem alma
e alma prescinde de corpos
não que haja superioridade de um sobre o outro
mas é que a transparência é mais palpável
e algumas sensações na boca
e no espírito
são mais azedas
em verdade
os que nunca me viram
nunca provarão das mentiras
de minhas palavras
mas sou de natureza tão avessa
que mesmo os que nunca me conhecerão
provam-me de perto
espécie de arrepio sem direitos autorais