Morreu sua morte naturalmente.Fechou os olhos exalou um suspiro sem se despedir da vida e sentou-se calado no colo de sua alma.Aos passantes deixou a imagem de um boneco abandonado, não maltrapilho, pois a rua era um lar recente, não vestia aquela roupa puída a encarnava como uma segunda pele.Começou sua partida, numa falência que o deixara pobre, o casamento desfeito o fez indigente, desistiu da vida ao tentar voltar no tempo e perceber que este corria a uma velocidade que suas velhas pernas não alcançavam, sem amigos envergonhado da condição que herdara da vida, se desfez do resto que tinha.Deu suas roupas a um filho e ao porteiro do prédio que o despejara, os moveis a uma entidade que os recolhera.Escreveu cartas não de despedida, mas de agradecimento aos filhos, netos e ex mulheres.Sem rancor e evitando ser piegas, os deixou no disco rígido do computador ultimo companheiro que entregara ao filho, sem a certeza que o leriam.Nos seus meses de rua aprendeu a conviver com a violência e as coisas poucas que pudesse carregar.Desistira de suas idéias românticas da abstinência das coisas materiais, e sequer soube se parentes o procuraram, passou a dormir em um albergue e nos dias que seguiam, pedia o seu pão que nem sempre era o de cada dia, nas ruas de sua cidade.Na Praça D. José que acolheu seu cadáver vivia os dias.Muitos que o conheceram cruzaram seu caminho, sem reconhece-lo.Seus sentimentos se embotaram em semanas, e seriam incapazes de reconstruir sobre sua ruína, então abandonara a vida sem mais vontade de vive-la.Nunca aspirara a imortalidade, então permitiu que a vida continuasse sem sua presença, pois a consoladora possibilidade de sobrevivência, para ele era uma abstração frágil como a mais fina porcelana. <br />Perceberam que morrera o boneco deitado sobre sua solidão , as 10 horas da manhã, mas havia se retirado do corpo as 0:15 minutos daquele dia.Muitos se apiedaram com a imagem do seu corpo magro, sujo e com seu semblante sofrido, mas se apressaram nos seus caminhos rotineiros.Seu corpo foi retirado das ruas em menos de 1 hora após a descoberta.Fato estranho e raro para uma burocracia que deixava seus mendigos mortos por mais de 10 horas nas ruas, antes de retira-los da vista dos passantes.Mas neste dia, ali na praça haveria um show de uma ONG que iria arrecadar recursos para os sem teto e o retrato de sua morte poderia estragar o espetáculo.