Deixou-se ficar, alguns segundos, sem abrir os olhos.
Sentiu um frémito a percorrer-lhe o corpo cálido, debaixo do edredão. Rolou sobre o lado esquerdo e esticou o braço direito sobre o espaço vazio. Foi então que descerrou as pálpebras, devagar, numa tentativa de não deixar escapar para a realidade que a envolvia, aquela outra realidade que tinha provado, momentos antes. Queria retê-la, por mais tempo possível. Sabia que os pormenores dos sonhos não perduram na memória e, por isso, fez um esforço para se recordar do mais ínfimo detalhe, antes de saltar da cama e iniciar mais um dia, igual a tantos outros, nessa sucessão monótona a que já se tinha habituado. O peso da solidão, no silêncio e na penumbra do quarto, fê-la arrepiar. Voltou a fechar os olhos.
Espreguiçou o corpo franzino, naquela cama demasiado grande para ela, e soltou um suspiro. A pouco e pouco, a expressão do rosto foi-se suavizando, ao mesmo tempo que um sorriso começava a aflorar os seus lábios.
Lembrou o sabor da boca dele, as carícias das suas mãos e o calor do seu corpo. Quando tinha sido a última vez que sentira a proximidade física de um homem?
Ele não era, de modo algum, fruto da sua imaginação. Apesar da vida que levava, ainda não enlouquecera ou mergulhara nesse mundo fantasioso de quimeras e faz-de-conta. Conhecia-o, isto é, sabia quem ele era, embora nunca se tivessem encontrado. Falavam-se regularmente, usando meios da tão abençoada tecnologia que encurtava distâncias e aproximava as pessoas. Tinham passado os últimos quatro meses a dar a conhecer um ao outro quem eram. Tinham começado um relacionamento que se tinha vindo a desenvolver numa paixão. Ultimamente, planeavam, ponto por ponto, o encontro que ambos desejavam.
Numa das conversas mais recentes, ele tinha dito que ela era a sua namorada. Num entusiasmo quase pueril, tinha-lhe pedido para repetir o que dissera. Soube-lhe bem ouvi-lo. As palavras dele fizeram com que um rubor lhe colorasse as faces e um calor lhe inundasse o peito. Lembrava-se de ter ficado de respiração suspensa, gozando com volúpia o instante, como uma criança a quem se dera um rebuçado, há muito apetecido.
Muitos anos tinham passado, desde que ela tinha sido a namorada de alguém. Tinha sido esposa, amante, mulher usada e abusada, fêmea perdida nos braços daqueles que não amara; tinha sido brinquedo que se joga fora, depois de deixar de servir; tinha sido bibelot ou adorno; tinha sido o que outros tinham desejado que ela fosse. Agora, namorada, isso só fora no tempo, já longínquo, de uma juventude descuidada, quando acreditava saber o que era o amor.
Já se tinha esquecido do prazer que era ser namorada de alguém. Ele estava a fazê-la recordar. Esperava, com desmedida ansiedade, o momento em que falaria com ele: esse era, sem dúvida, o ponto alto do seu dia. Quando falavam, ela transfigurava-se: o rosto adquiria uma luminosidade, a voz soava sensual, com laivos de alegria, o tom era arrebatado, os gestos ganhavam vivacidade.
Ele dizia-lhe, às vezes, que ela parecia mesmo uma adolescente. Ria-se, como uma tolinha, fazia trejeitos, tinha vontade de rodopiar. Era verdade, sentia-se mesmo como uma adolescente. Só com ele e para ele.
Decidiu levantar-se. Nessa manhã não falariam, mas sabia que ele estava muito perto.
Julieta Ferreira