CIVILIZAÇÃO ACONTECE?
Quando era pequeno sentia-me viver num mundo que me seduzia. Não tinha lucidez para fazer observações apuradas, ilações que levassem em si noções de justiça, perscrutar a necessidade de uma sociedade mais equilibrada, mais humana. Foi preciso tempo, que os anos passassem, para dessa constatação ir tomando conta.
Deslumbrava-me com coisas simples (que então o não eram para mim tanto como isso). Nesse tempo eu cuidava que o mundo tinha parado, que o progresso tinha atingido os limites, que não havia já imaginação para novos modelos de automóveis. Os aviões e a televisão acabada de aparecer tinham dado por encerrada a caminhada dantesca do homem na terra. A minha vulgar memória guarda pois desses tempos episódios, maneiras de estar, valores que na generalidade nos falavam da natureza humana tal como nos foi inculcado, mas também na maioria dos casos, factos, atitudes, modos de estar inócuos. Para os espíritos mais maduros, escassos, certamente observações a ter em conta, sobretudo em matéria de justiça social.
Só que, decorridos estes quarenta a cinquenta anos, o espectáculo, ou sensibilidade dos homens continuam no mesmo patamar. Se por um lado experimentou inegável progresso no mundo da ciência com indiscutível repercussão no seu modo de estar, na comodidade, num pasmo perante o fantástico, não poderá dizer-se o mesmo, lamentavelmente no que concerne aos valores que verdadeiramente caracterizam ou deverão caracterizar o comportamento humano que tem que ver antes de mais com a justiça e solidariedade.
Acontece que o dinheiro, esse desconcertante ingrediente, continua a fascinar o homem e por isso à cabeça dos seus maiores objectivos. E se o dinheiro não é o objectivo final, é o intermédio aquele através do qual se alcança tudo o que não interfira com a réstia de consciência que haja em cada um.
Naquele tempo, havia esse sentimento a que se chamava vergonha e também aquilo que era tido por honra e quem pisasse esses valores ia-lhe sofrendo as consequências. O homem de hoje, diz-se civilizado, veste a capa da austeridade e da honradez, mas, absurdo é-lhe consentido orgulhar-se dos seus devaneios, da sua ganância, da sua sede de ostentação, de um espírito de competição sem paralelo. Estas vestes não ficam mal ao homem moderno, antes lhe conferem respeitabilidade e direito a um destaque social. Por isso se vão tornando donos das instituições, das mais representativas de um povo.
Eu quando era criança interrogava-me sobre muitas coisas mas, lá no mais fundo da minha pessoa acreditava que civilizado seria o homem que vinha aí. Hoje constrange-me a decepção com que se deparam os meus olhos e todo aquele que sou com o descalabro a que assisto.
Por exemplo eu cuidava que os dez estádios de futebol se destinavam a durante uns dez meses em cada ano serem convertidos em espaços culturais, de acolhimento e de «dádiva» a todos os outros desportos; cuidava que uns tantos submarinos, última palavra, há anos encomendados viessem a ter utilidade correspondente ao seu custo; cuidava que derrapagens só aconteciam com as viaturas terrestres, quando afinal elas acontecem (e de que monta) com cidadãos a quem o nosso povo conferiu responsabilidades. Sim, tais derrapagens (que chegam a escapar ao poder da inteligência mais arguta), o suborno desmedido os ordenados e benesses de empresas públicas (e privadas, evidentemente) são neste nosso país um escândalo.
Terminaria este meu deambular pelo tempo, de uma forma utópica mas deixando em mim o sonho de que um futuro lhe conceda o benefício de uma certa esperança: - que chegue o tempo em que o dinheiro tenha um valor relativo para um homem que se tornou de facto civilizado. Quero dizer: um tempo em que o muito dinheiro não seja motivo de petulância, mas antes de um certo constrangimento, (sei que sou utópico), mas que o dito homem civilizado passará a ter em conta.
Que assim seja…
Antonius