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17ª foto - Aconteceu

 
Tags:  Fotos - 16/12/2007  
 
- A necessidade de saber se ainda estava vivo, consumiu-me.
Era assim, de forma desiludida e resignada, que o rapaz se referia à sua situação. O Alberto estava preso a uma cadeira de rodas que movia com o auxílio da boca. Tinha custado uma pequena fortuna aos pais que, com sacrifício, há três anos, pagavam o empréstimo.
25 anos. 25 anos é a idade dele e na rua os gaiatos já o chamam por "aleijado".
O Alberto foi, desde muito cedo, um ídolo para a outra miudagem e, como quase todos os ídolos, um exemplo do que eles queriam para si. Como quase todos os ídolos não era exemplar.
A sua paixão pela adrenalina, pelo risco desnecessário, sempre com aquela certeza de que estava tudo sob controle, era magnética. As pessoas gostavam disso, sentiam que o rapaz era corajoso e tinham a franca noção de que era à "prova de bala". Não era, ninguém é.
Aos 10 anos encavalitou-se, pela primeira vez, em cima de uma mota. Uma mota de verdade e sentiu-lhe a vibração do motor. 600 cc de força pura que ronronava, a princípio, rugia depois. Tanto poder. Não chegou a sair do tripé, não chegou a pôr as rodas no chão mas, também não foi preciso. Tanto poder. A trepidação, a vibração e até os rateres, que o Manel da oficina lhe ensinara a domar... tanto poder.
Nos anos seguintes, sempre que podia, corria para as motas e os mais velhos, por piada, deixavam-no dar uma volta. Era giro ver um puto com mãos suficientes para aquelas bestas. Tornou-se um vício. A falta daquele ambiente e o tempo que era obrigado a passar na escola deixavam-no doente. "Tanto tempo desperdiçado", pensava.
Aos 17 anos já era um indivíduo que sabia tudo o que havia para saber sobre aquelas máquinas. Conseguia espremê-las até ao limite. Desmontava-as e remontava-as com os olhos fechados. O Alberto, era já um mecânico biscateiro qualificado e quase a tempo inteiro. Havia gente das corridas a vir ter com ele... que coisa incrível. Mas o que ele gostava mesmo era de as testar... às máquinas. Tanto poder. Certa vez tinha conseguido esticar uma até aos 350. Foi uma sensação tão forte que quando parou nem falava.
Aos 20, morreu e anda morto desde aí.
Como foi? Foi como todas as coisas... aconteceu.

Valdevinoxis


A boa convivência não é uma questão de tolerância.


 
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Valdevinoxis
 
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Enviado por Tópico
Nadir.Caetano
Publicado: 20/10/2011 21:48  Atualizado: 20/10/2011 21:48
Super Participativo
Usuário desde: 14/10/2011
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Mensagens: 129
 Re: 17ª foto - Aconteceu
não será uma foto, por que a colecção de fotos neste texto é grande, e ilustra uma parte importante da vida de alguém. acho que o texto melhorava de após os números (embora se entendam) aprecessem os seus desígnios; hms ou anos.
mas é mais um texto que gosto de ler e que se insere no album que acompanho. já tinha comentado um outro (jaber) texto que considero nesta linha.
abraço
nac


Enviado por Tópico
varenka
Publicado: 20/10/2011 22:05  Atualizado: 20/10/2011 22:07
Colaborador
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 Re: 17ª foto - Aconteceu
Um final triste...Mas,com palavras do teu jeito que agrada.Bjs,Varenka

Parabéns poeta!



Enviado por Tópico
jaber
Publicado: 20/10/2011 22:09  Atualizado: 20/10/2011 22:09
Membro de honra
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Localidade: Braga
Mensagens: 2780
 Re: 17ª foto - Aconteceu
Eu tenho uma 1100, gosto de a sentir entre as pernas, enrolar-me nela. sentir o seu poder como uma égua que esporeio desabrido em estrada que fica minha, só minha. Sei dos riscos que corro mas também sei do prazer que sinto.

Abraço Val