SÓ A VIDA ABSOLUTA CAMINHA PARA A ARTE ABSOLUTA

ah, meu amigo, quisera eu fazer arte, ou, melhor, ter a capacidade de criar arte. Mas por aqui todos fazemos cultura, confirmamos a nossa cultura. A arte é uma transgressão para além da cultura. Fazer arte verdadeira é algo muito, muito perigoso porque exigindo mais do que a vida, consome a própria... rs

Um grande abraço, Zé
Gê

Bem, acho que depois de tanto pensar sobre o que é arte e o que é cultura, de tanto ler por aí sobre isso, formei uma opinião, mutável com o tempo, assim espero, como deve ser toda a opinião de alguém que quer evoluir em seus entendimentos... Eu juro que quero... rs E a opinião atual é a de que simplesmente não existe cultura que não seja domesticada, pelo fato de ser tudo o que é domesticado um dos elementos primordiais da "formação cultural". A arte vai para além da cultura, para além do seu próprio tempo. A arte pode se tornar "abominável, incompreensível" e a cultura jamais permite qualquer abominação dentro dela... Por aí que cheguei à conclusão de que é mesmo "a vida que imita a arte" e jamais o contrário. Aqui, todos fazemos cultura, ou melhor, confirmamos nossa cultura, não importa se supostamente boa ou má. Neste site, por exemplo, ninguém transgride as regras culturais de nada. Para fazer arte é preciso ser gênio mesmo, não há outra maneira. É preciso ir até os limites da vida para poder vislumbrar no fim do horizonte algo além da vida, o futuro, o novo... Só os gênios estão preparados para essa viagem sem o perigo de enlouquecer... rs Na volta à realidade, criam arte. Para fechar, cito o Godard em Je Vous Salue Sarajevo: "cultura é regra, arte é exceção".

Muito obrigado por vir ler, Karla.

Beijo
Gê

Olá, tranversal. Para mim a arte absoluta está ainda para além da vida absoluta. Porém, para se chegar à arte absoluta é preciso arrumar um modo de poder viver uma "vida absoluta" de experiências, porque fazer arte é, a grosso modo, transformar a realidade (existem outras formas, lógico). Só pode criar ou idealizar algo completamente novo quem esgota todas as possibilidades na vida dirigindo-se sem medo aos próprios limites. Se conseguem voltar à realidade para fazer valer a sua arte sem enlouquecer, então eis aí um artista e, logicamente, um gênio... rs Se a alma é domesticável? Bem, sendo para mim a alma apenas uma fonte que anima a vida, pode ela ser domesticável, como o são as almas dos cachorros e gatos (lógico que sempre poderá vir alguém aqui a dizer que animal "não tem alma"...rs). Talvez se você tivesse utilizado o termo "espírito" eu dissesse que "este, talvez não seja domesticável" no meu entendimento idealizado. Mas eu aceito perfeitamente o porquê você utilizou a pergunta usando o termo "alma". Foi porque eu também utilizei este termo no corpo do meu texto.

Muito obrigado, Transversal por essa oportunidade.

Abraço
Gê

Interessantes as palavras e o seu significado (algo que sempre me atraiu).

Concordo quando dizes que a arte está para além da vida, e propositadamente retirei a palavra “absoluta”, quantas vezes a arte só é reconhecida depois da morte do seu criador, quantas vezes a arte se resume a uma moda, ou a uma descoberta casual, e quantas obras de arte são logo reconhecidas e o seu autor não o é?

E retirei a palavra “absoluta” porque, para além da sua origem do latim, inicialmente significava “benção” ou “cerimônia da absolvição”, sendo o ato de benzer uma evocação de uma graça divina. Claro que com o evoluir passou a ter o significado de “completa”, “perfeita” (arte perfeita (completa) vida perfeita (completa).

Depois a palavra “alma” a que me referi e que está no texto. Não a interpretei no simbolismo religioso, apesar de “Ele rogava” me levar inicialmente a ir por esse caminho (aliás até o referenciei), mas alma como algo autônomo, ou não, em relação ao próprio corpo (à sua materialidade), ou mais longe como consciência pensante (dependendo apenas da corrente filosófica). E aqui sim, é a própria vivência que poderá influenciar, a criação. Daí o questionamento sobre vida absoluta arte absoluta. Será que a vida absoluta será arte absoluta?

Reconheço que te defendeste com a palavra “caminha” e o caminhar tem tantas encruzilhadas e tantos caminhos, mesmo que realçando “que a vida dissoluta me tome”, podendo até domesticar a cultura.
Um tema bem interessante e que tu desenvolveste muito bem.

Mas a pergunta mantém-se e quem não esgota todas as possibilidades da vida, não pode criar, idealizar ? Ou aqueles que mesmo não esgotando essas possibilidades conseguem ir para além dos limites e conseguem assim criar, idealizar.

Agora ri-me, porque os temas da criação, da vida, e da arte, todo junto é quase como a pedra filosofal ou o Graal dos dias de hoje, quem influencia, quem é influenciável, afinal como começa o fenômeno artístico.

Obrigado Poeta Amigo

Abraço-te

Quanto à pergunta que ficou no seu comentário anterior deixe-me cá acrescentar um trecho do Teixeira Coelho, crítico e ensaísta de arte e cultura, que talvez esclareça melhor a minha visão, muito melhor do que eu próprio:

A arte como compromisso vital em si mesma, não apenas como emblema de uma outra coisa. Arte e vida, aqui, são uma só coisa (O mais comum: a arte como modo de instalar-se na brecha entre a arte e a vida). E embora pareça diferente e embora se faça diferente, à vida radical só é possível votar uma dedicação absoluta que, no limite, cobra a vida de quem assim procede. De vidas menos radicais se vai, se desliza quietamente – a vida se esvai dessas outras vidas. O preço daquela vida empenhada é, acaso, no limite, a morte, noção a ser destacada nesses instantes em que a cultura ainda não conseguiu abolir a morte. A arte absoluta pede a vida absoluta, e a vida absoluta se inclina para o dispêndio, para o gasto, para a consumação da vida: a morte. Não se pode poupar a vida. Pode-se poupar a vida, é verdade: ao preço de uma vida medíocre, pequena, tímida, timorata. Na primeira metade do século passado se diria: ao preço de uma vida burguesa. A vida em tom pastel. A arte sobre todas as coisas – inclusive sobre a vida, é proposta bem diversa. “Viver não é necessário; criar é necessário”: Fernando Pessoa. “Não conto gozar a vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo”: Fernando Pessoa, ainda. Músicos que se dediquem à arte até a extinção da vida como o único modo de escapar à morte: é o mínimo que a música pede; a vida é o mínimo que a arte pede. Isso não formula um apelo ao sacrifício, nem ao assassinato: é a admissão da negatividade inerente à cultura, o exercício da liberdade absoluta, o exercício da real liberdade, da única liberdade real: reconhecimento da aspiração-limite da arte."

Portanto, para mim, opinião da qual já intuía antes de ler o Teixeira Coelho (que me serviu apenas como reforço intelectual aos meus sentimentos e anseios), sem chegar aos limites extremos pode-se sim criar uma excelente, uma magnífica cultura o que tem lá muita importância e valor, mas jamais se obterá a arte viva, simplesmente porque a arte, estando um passo além da vida absoluta e sendo uma intervenção inovadora da realidade, necessita de quem a queira encontrar cruze as fronteiras das experiências da própria vida. Essa caminhada imagética rumo à arte vital e renovadora inicia-se a partir dos limites extremos da realidade, como se, ao dirigir-se ao extremo do continente, por fim se encontrasse o mar. Como sabemos, para esse viajante prosseguir viagem será preciso um novo tipo de transporte uma embarcação (a arte)...

Gostei muito de debater com você, Transversal. É muito bom trocar idéias por aqui com respeito, coisa tão rara neste site... rs

abração
Gê

Como se diz no meu Portugal “as conversas são como as cerejas, não se come só uma...”, e concordo quando escreve que “É muito bom trocar idéias por aqui com respeito, coisa tão rara neste site... rs” nem o Forúm consegue controlar os Egos, por vezes até o insulto fácil, mas adiante.

Para Teixeira Coelho “arte e vida (nos seus compromissos) são uma só coisa, sendo interessante o paralelismo que ele faz entre vida no limite (absoluta) a vida em tom pastel (mais timida, menos conseguida) e a criação, citando Pessoa “Viver não é necessário; criar é necessário” onde a dedicação total à arte até à extinção da vida como meio de escapar à própria morte é a conclusão, é o minimo que a arte pede. Daí advêm reconhecimento. (duvido que todos os criadores pensem no reconhecimento, mas enfim...)

Quem sou eu para contestar a frase de Pessoa, mas será que Pessoa viveu a vida absoluta(?) por aquilo que sei duvido, dedicação à criação concordo. Eugênio de Andrade que escreveu de costas para Pessoa, até acredito que tivesse uma vida mais absoluta (vivida), Daniel Faria que escreveu de costas para Eugênio, não acredito que tivesse uma vida (absoluta) morreu cedo, Mozart que foi um gênio morreu em situação miserável, foi enterrado numa vala comum, quase desprezado, e a sua obra recuperada pelo romantismo do séc XIX, arte absoluta, sim, mas vida absoluta?.

Acredito que toda a arte não pode ser dissociada de uma vida, concordo que toda a arte está sim condicionada (interna e externamente) por alturas, épocas, momentos, pela sociedade no seu todo, daí concordando que a arte está sempre para além da vida, e muitas vezes esse reconhecimento vai para além de uma ou duas ou três vidas(rs).

Eu leio por aqui muito texto no Luso, e mesmo aqui se denota isso, hoje há quem aqui escreva que é muito lido agora, e que amanhã é esquecido. Os gostos mudam, os interesses mudam, tornam-se outros, o que é normal, o que não quer dizer que quem escreva esteja a escrever pior ou melhor, e não quer dizer que todos caminhem para a arte absoluta, ou para a vida absoluta.

Acho que arte é algo único, que tem sempre a ver com a vida do seu criador ( querendo ou não uma vida absoluta), e que deixa de lhe pertencer quando é reconhecida como arte, mas tem também a ver com a sociedade do momento criador, e como ela interpreta ou não a obra, e daí os gênios só serem reconhecidos mais tarde, até porque conseguiram influenciar outros.

Eu apenas contesto a vida absoluta versus arte absoluta, posso até concordar com o seu “caminhar para”, sim, e porque não? Camões por exemplo acredito que teve uma vida absoluta e a sua arte foi absoluta (também morreu esquecido), rs.

Arte é algo que ultrapassa a vida, é algo absoluto (mesmo com o seu significado do Latim Ars técnica ou habilidade), a vida é algo passageiro condicionada por fatores externos desde o nascimento que pode ser ou não absoluta (perfeita, completa) dependendo do que cada um pensar qual o conceito de vida. E aí voltamos ao que consideramos por Arte e por Vida. ( o que é?)

Bem, parece que estamos a defender alguma tese, rs, com algumas reticências (como eu gosto) aceito Só a vida absoluta caminha para a arte absoluta”, por causa do “caminha” porque enquanto a vida tem o seu destino certo, a morte, a Arte atinge sempre a imortalidade física (complexo....rs)

Agradeço-te o tema, o debate, é sempre bom exercitar a mente, como diria Poirrot “Foram uma recompensa pelo bom uso de minhas pequenas células cinzentas”, sendo interessante questionar numa outra altura da imortalidade da autora Agatha Christie, e do seu personagem Hercule Poirot, mas outra questão se põe foi arte o que ela nos legou? rs......

Gostei bastante.

Um Abraço Amigo

Seus questionamentos muito me acrescentaram e por certo tenho cá boas colocações e novos pontos para este seu último comentário postado, dentro da minha linha de raciocínio sobre o tema, mas creio ser conveniente agora exercitar um pouco a introspeção e realizar umas novas buscas nos meus pensamentos pois é certo que você já me deu elementos suficientes para isso!

Obrigado mais uma vez pelo debate, Transversal.
Um grande abraço

Gê

Olá Proteus. Concordo com tudo o que você disse sobre a cultura, exceto a inserção da arte (pelo menos o que eu entendo por arte) dentro da cultura. Porque a verdadeira arte não é feita em grupo, mas por um indivíduo que, justamente por pensar além das fronteiras da cultura, consegue inferir na realidade numa estética nunca vista. Pegue uma obra de Picasso, por exemplo. Hoje vemos obras de Picasso estampadas até nas embalagens de produtos de supermercado. Vemos milhares de pinturas baseadas nas obras de Picasso, com uma técnica em muitas vezes superior ao do próprio Picasso. Porém, a arte de Picasso veio antes e com o passar do tempo foi totalmente incorporada aos cânones da cultura ocidental. De um começo conturbado e contestado pela própria cultura da época em que surgiu, pelos "guardiões da cultura", foi paulatinamente sendo aceita e domesticada até o ponto em que passou a ser "digerida" pelas massas. Transformou-se em cultura num processo relativamente lento. Sim, a cultura domestica a arte. O que Picasso criou, não era cultura quando surgiu, era arte, porque, ao contrário, transgredia a cultura vigente. Justamente por essa transgressão era a mais pura arte! Hoje Picasso ainda é arte? Sim, se entendermos o seu tempo histórico, os elementos culturais da época em que ele idealizou o cubismo, época esta onde a "cultura" impunha outros "modelos" ou "regras" para o que deveria ser "pintura". Se Picasso pudesse mudar de nome e surgisse hoje com os seus velhos quadros depois de esgotada a proposta do cubismo (vamos imaginar que apenas Braque tivesse criado o cubismo), ele seria um nada... rs. Duvido que ele fizesse isso, porque, como era um gênio, já teria certamente absorvido culturalmente o cubismo e certamente buscaria em seus limites absolutos uma "outra e inédita arte". Ele jamais se contentaria em repetir o que a cultura já lhe proporcionou de graça. É por isso que penso ser a "arte", na verdadeira acepção da palavra, algo além das fronteiras da cultura. Arte é "exceção". A cultura, até onde ela puder exercer suas regras e tentáculos, sempre procurará "assassinar" a arte. Não é à toa que tantos gênios morreram à míngua sem ter a sua "arte" reconhecida. A cultura é cruel com a arte... rs

Obrigado por vir ler e por debater, meu amigo
Um abraço
Gê

Seus argumentos são muito bons. Fica difícil discordar ou até mesmo rebatê-los. Mas foi enriquecedor esse nosso diálogo que desviou o olhar para outra dimensão dos fatos. Gostaria muito que outros colegas também participassem desta conversa.
Que por sinal está sadia e de ótimo nível como deveria ser todo comentário do Luso.

Muito obrigado pela oportunidade de debater e por vir ler e se interessar.

Um abraço, Proteus
Gê

Oi, Rosangela. Era pedra. Eu nunca paro de mexer nos textos, não adianta...

Obrigado por vir ler.
Um beijo
Gê