de manhã preciso de um café forte
que me tire o peso da cabeça
que me empurra até ao chão,
atufada pelas cismas…
escuso-me a falar
nada me digam, não me façam perguntas
deixem-me acordar devagar…
lembro leituras e imagens
a galopada de palavras
melopeias de incertezas…
atenta ao mundo
solta-se em mim a crise
tudo se esgotou, ficaram os jardins
a desconfiança nas pessoas
o que mais me irrita são os jardins
aqueles espaços preservados
quando tudo à volta é lixo
e nunca mais muda isto!..
à minha volta baila e atropela-me
um labirinto teogónico
Caos, Gaia e Tártaro
Eros, Hemero e Nix…
assim fico na penumbra da persiana fechada
com frinchas impertinentes de luz intensa…
«toda a vida é uma metafísica às escuras,
com o rumor dos deuses e o desconhecimento
da rota como única via» (Bernardo Soares]
já a resvalar para Dionísio
sou e não sou e ainda assim sou
para encontrar o lugar e a forma
neste lado inteligível de resilência
traindo o meu torpor de desencanto
para esquecer a maldade, a doença e a fome
os corpos de pedra e excremento
vestidos de seda e crime
como o símio,
não ver, não ouvir, não falar
e também não chorar, não gritar
e enfrentar o novo dia…
é preciso aproveitar a paisagem
mordo um carpe diem
sinto-me cúmplice
da superioridade dos frágeis
quando tanto me revolta
e tão pouco eu posso fazer!...
out.2011