não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu
sem saber o que trazia dentro da pele. nasci – com a primeira palmada o primeiro grito. de vida. arreliei-me – o peito encheu. o corpo inchou e. em protesto. gritei – gritei alto – foi aí que apreendi a gritar. não a chorar. a gritar – grito por tudo e por nada. de tanto gritar já ninguém distingue os gritos de revolta – noite. sempre noite – vou criar um novo grito para matar os silêncios das noites que não acabam – vou começar um grito com: era uma vez – ter um grito com história. um príncipe encantado. montado num cavalo branco com asas de gaivota. apaixonado encontra a princesa mais bela de todo o universo. mais bela que a branca de neve. e os gritos mais altos nascerão ainda mais dentro da pele. quebrando todos os sapatos de vidro. todas as abóboras que fazem carruagens encantadas de ilusão e todas as ratazanas são agora homens mentirosos que inventam finais felizes num mundo intolerante para os sentimentos. sem som – malditos ruídos silenciosos – quero um grito apocalíptico. um grito que faça estalar todos os tímpanos da terra. quero um grito que envenene todas as maçãs podres do paraíso que nunca conheci – grito. tudo o que ninguém ouve. que me disforma a boca. os lábios. a língua. as cordas vocais e distorço a forma. rebolo. entrelaço os pés pelas mãos. arranho. arranco os cabelos. os ouvidos. o cérebro. o coração e por fim os pulmões. para tirar a respiração ao próprio ar – grito pelo castigo que deus me deu: saber-me – sempre soube – um dia vou cortar os pulsos e os gritos serão sangue aos pés de todos os surdos –