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Poema – Prólogo (Pedro Tierra)

 
Fui assassinado.
Morri cem vezes
e cem vezes renasci
sob os golpes do açoite.

Meus olhos em sangue
testemunharam
a dança dos algozes
em torno do meu cadáver.

Tornei-me mineral
memória da dor.
Para sobreviver,
recolhi das chagas do corpo
a lua vermelha de minha crença,
no meu sangue amanhecendo.

Em cinco séculos
reconstruí minha esperança.
A faca do verso feriu-me a boca
e com ela entreguei-me à tarefa de renascer.

Fui poeta
do povo da noite
como um grito de metal fundido.

Fui poeta
como uma arma
para sobreviver
e sobrevivi.

Companheira,
se alguém perguntar por mim:
sou o poeta que busca
converter a noite em semente,

o poeta que se alimenta
do teu amor de vigília
e silêncio
e bebeu no próprio sangue
o ódio dos opressores.

Porque sou o poeta
dos mortos assassinados,
dos eletrocutados, dos “suicidas”,
dos “enforcados” e “atropelados”,
dos que “tentaram fugir”,
dos enlouquecidos.

Sou o poeta
dos torturados,
dos “desaparecidos”,
dos atirados ao mar,
sou os olhos atentos
sobre o crime.

Companheira,
virão perguntar por mim.
Recorda o primeiro poema
que lhe deixei entre os dedos
e dize a eles
como quem acende fogueiras
num país ainda em sombras:

meu ofício sobre a terra
é ressuscitar os mortos
e apontar a cara dos assassinos.

Porque a noite não anoitece sozinha.
Há mãos armadas de açoite
retalhando em pedaços
o fogo do sol
e o corpo dos lutadores.

Venho falar
pela boca de meus mortos.
Sou poeta-testemunha,
poeta da geração de sonho
e sangue
sobre as ruas de meu país.

Sobreviveremos
Perdemos a noção do tempo.
A luz nos vem da última lâmpada,
coada pela multidão de sombras.

A própria voz dos companheiros tarda,
como se viesse de muito longe,
como se a sombra lhe roubasse o corte.
Nessa noite parada sobrevivemos.
Ficou-nos a palavra, embora reprimida.

Mas o murmúrio denuncia que a vitória
não foi completa. Dobra o silêncio
e envia o abraço de alguém
cujo rosto nunca vimos e, todavia, amamos.

Nessa noite parada sobrevivemos.
Sobreviveremos.
Ficou-nos a crença, de resto, inestinguível,
na manhã proibida.

Pedro Tierra, escrito em 1974.
 
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AjAraujo
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Enviado por Tópico
DianaBalis
Publicado: 13/10/2011 11:59  Atualizado: 13/10/2011 11:59
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Usuário desde: 23/07/2006
Localidade: Rio de Janeiro
Mensagens: 535
 Re: Poema – Prólogo (Pedro Tierra)
Companheiro, pela data, era vomito!desespero! e rebeldia! Bom dia, beijos.

Enviado por Tópico
EuniceContente
Publicado: 13/10/2011 16:04  Atualizado: 13/10/2011 16:04
Colaborador
Usuário desde: 06/07/2009
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Mensagens: 532
 Re: Poema – Prólogo (Pedro Tierra)
Ja foi a muito tempo, E como o vinho do Porto!

Gostei...sou poeta testemunha!