O velho e maltratado caminhão seguia estrada afora, chão de barro vermelho, molhado pela chuva insistente, sacolejando lentamente os pobres e velhos pertences na sua garupa, restos das desventuras da família e princípios dos novos sonhos que se misturavam à paisagem.
O motorista o conduzindo lenta e cuidadosamente entre morros e lama. Sobre os pertences, na carroceria, o menino acoitado, vagando entre o medo e o deslumbre da esperança plantada, deliciando-se na chuva que refrescava sua cara, afagando a expectativa da chegada. Cabelos molhados, gotejando no rosto, escondiam todos os mistérios dos seus sonhos, como se o fim da estrada reservasse todas as promessas de doce felicidade.
O mato fresco e viçoso por toda beira da estrada e o céu prometendo a noite, que vinha tomando forma, lentamente se transformando em manto negro, encobrindo todos os fantasmas que seguiam o caminhão e o menino só e puro. Só os faróis a apontar o caminho, num feixe de luz que ofuscava os vaga-lumes.
E quando chegar - vai chegar - pensava o menino, estaria chegando certamente no infinito, lá num lugar divino, onde mora o sonho, um velho sábio que vive num casebre construído embaixo de um goiabal e que cultiva jardins, onde planta poemas, que crescem dependurados nas laranjeiras e que quando amadurecidos, permitem ao velho sábio colher cantos de pássaros que encantam todos os corações, apaixonados ou não.
Quando lá chegar, certamente no dia seguinte, vai descer do caminhão, pisando no chão de barro cru, aspirar seu cheio, cumprimentará o “seu” Sonho e pedirá que o deixe passear pelo bosque, rolar na relva ainda encharcada pela chuva teimosa que já se fora ontem, trocada então pelo sol a reluz nas gotas ainda dependuradas nas parreiras, como se luzes fossem e vindas das estrelas escondidas na noite passada.
E fará dali o infinito do seu tempo, onde se enraizarão todos os sonhos, travestidos que seja em velho sábio plantador de poemas que cuida dos bosques. Infinito sim enquanto as lembranças se fazerem e os sonhos o seguirem lado a lado e infinitamente. Estará ali nesse lugar e nesse tempo, fincada toda a esperança desenhada em papel feito das quimeras forjadas enquanto na garupa do velho caminhão.
E mesmo quando se for de volta, pela mesma estrada, em busca de outros sonhos, agora na garupa de todos os ideais, ainda lembrará o velho caminhão que o trouxera e da chuva que escorria na sua cara. Lembrará de todos os poemas que plantou e pendurou nos parreirais da sua vida até então ali vivida, como nos sonhos do menino que envelheceu e virou o sábio do próprio bosque agora já desflorado pelo outono lento, à espera da chegada de outro menino.