Porto, 4 de Fevereiro de 1917
Meu bom amor, eu espero que esta te encontre bem e de saúde. Não consigo deixar de ficar em cuidados contigo, não penso noutra coisa, já nem os ensaios para o conservatório do Porto me fazem tirar a cabeça de ti, a saudade desses ombros em que me enlaço é tal que parece que sinto esse aperto a cada momento que em ti penso. E ando assim abraçada a esse sentimento que estrangula a minha vida e os meus actos.
Ontem à noite o papá voltou a mandar-me calar ao jantar, dizendo-me para não ser tonta e parar de andar a chorar pelos cantos e em vez disso dar-te ânimo e dizer-te do orgulho que sinto,que estejas a afirmar o orgulho republicano da nação. Explicou-me que desde o inicio da guerra que têm havido escaramuças entre nós e a Alemanha nas nossas colónias de Angola e Moçambique. Que esta guerra vai reforçar a velha aliança entre Portugal e Inglaterra datada de 1386 e conhecido como o tratado de Windsor, uma vez que os nossos aliados olhavam-nos com desdém porque nos acham incapazes de desenvolver um esforço de guerra e ao mesmo tempo cuidarmos da manutenção das nossas colónias. Ai, estava tão cansada de o ouvir dissertar naquele tom de raspanete que o papá adopta nas suas dissertações politicas. Disse ainda que Portugal tinha que entrar na guerra e que só a sua entrada era já uma vitória já que garantiria a manutenção das colónias e a sua soberania na conferência de paz que certamente haverá no final da guerra. Depois puxa pelo peito para falar do orgulho que tem em dizer que o futuro genro ajuda o esforço republicano de afirmação perante as monarquias europeias granjeando assim apoios perante um possível contragolpe monárquico que se anuncia, devido aos constrangimentos em que a guerra nos envolveu, e ainda que esta guerra serve o propósito, impar segundo ele, de afirmar valores de estado que distingam Portugal de Espanha e asseguram a manutenção da soberania da Pátria. Eu não percebo nada de política mas sabes como é o papá, quando começa com isso, se não fosse a voz tonitruante, ouvir-se-iam as moscas perante o silêncio que exige.
Eu só sei que te quero junto de mim, só sei que não estás comigo, que não me vens dar a mão ao final da tarde nos jardins do Marquês. É só isso que sei e basta-me para ser contra essa guerra. Vem para mim meu amor, não mais te negarei o meu bem-querer, como sinto saudade do teu beijo, do teu olhar velado no meu decote, enrubesço ao dizer isto mas confesso que é o que sinto, vem depressa meu amor, vem…
Por favor, cuida de ti.
Tua Ana Maria