[Memorabilia da Travessa Assunção - Araguari-MG, é claro!]
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No centro da Travessa, aquela antiga casa cor-de-rosa... Na frente, o usual jardim onde algumas roseiras se dobram, ao peso dos cachos de rosas, sobre a estreita passagem que dá acesso ao alpendre. Ao centro do murinho da rua, um portãozinho que tem apenas a serventia de evitar que cães errantes entrem casa adentro, já que a porta da rua, ao fundo do pequeno alpendre, nunca está fechada.
Sempre de camisa de manga comprida, cotovelos apoiados num dos pilares do portãozinho, lá está ele, o velho Lindolfo; cabelos brancos, brancos de uma alvura indizível... e um enigmático olhar duro para o vazio da ampla Travessa [rua estreita na Cidade Perfeita: só me lembro de uma, a R. Aurélio de Oliveira, onde a cidade começou...].
Se o velho Lindolfo buscasse saídas, isto é, se ainda acreditasse em saídas, faria como eu, lançaria o seu olhar para a [minha] vasta Avenida Minas Gerais que parece terminar num horizonte intangível... A grande Avenida está a apenas 50m de sua casa... e a Travessa se abre para ela num contato mágico [eu sei que é]. Mas ao que parece, ele não pensa mais em saídas: em minhas andanças [eu sou vizinho dele!] nunca flagrei seu olhar voltado para Avenida!
Se o velho Lindolfo pensasse na morte [posto que é velho, bem velho...], ou então, se ele vivesse com a morte no olhar, na boca, como eu vivo desde os 5 anos de idade, então, os seus olhos se voltariam para o lado oposto ao da Avenida, para o velho Casarão do Açougue da esquina... Lá no alto do Açougue, nos dias de chuva, eu prego o nariz na vidraça para observar aquela fieira de urubus, peito esticado contra o vento, contra a chuva, contra o tempo...
Mas não... toda vez que eu vejo o Seu Lindolfo, o seu olhar [duro, como se me odiasse, mas sei que ele não me odeia, quando passo com a minha mãe, ele até acaricia a minha cabeça] está voltado para o centro da Travessa, para um alto muro descascado que há do outro lado, em frente da sua casa...
E o que há do outro lado do muro alto? Oras... apenas a piscina, e uma grande área da Escola. Ali, pulsa, ruidosa, a vida alegre na ânsia de si mesma; nós as crianças, brincamos, jogamos, nadamos... Com certeza, os nossos gritos chegam até os ouvidos do velho Lindolfo! Às vezes, quando estou do outro lado do muro, eu paro... e fico assim, perplexo com aquele olhar duro que eu posso sentir através do muro.
Hoje penso: o centro... talvez instintivamente, ele buscava o centro! Do outro lado do muro, a vida nascente... Ou seria assim, um olhar lançado no vértice do tempo? Um modo estranho de se agarrar a vida que se esvai? A vida que está a abandonar o corpo? Será? Só tenho perguntas...
[Eis o que eu precisava registrar... se não o fizesse, não ficaria sossegado. Não o fiz a contento; voltarei ao texto algum dia. Mas, por enquanto, algum alívio me trouxe].
Ou seria esse registro apenas um modo de eu lidar com aquele olhar duro que atingia os meus olhos de menino, uma olhar que atravessou as décadas, e caiu nos meus olhos de agora, estes meus olhos de quase cem anos de idade?!]
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[Penas do Desterro, 03 de outubro de 2011]