Mas a melhor lição, aprendi quando Jorge veio morar na casa logo após a minha. Do ingazeiro vi a chegada da mudança. Colchão de capim, um guarda-roupa velho, cama de lona, trouxas de roupas, mesa, algumas cadeiras, uma jarra, um quadro grande com o coração de Jesus exposto. Jorge foi a última pessoa a deixar a camionete. Parecia não querer morar ali naquela casa seca, sem jardim, sem árvore, sem touceiras de capim nos barrancos, de um amarelo embranquecido. Ao pôr o pé no chão seu olhar se dirigiu para o ingazeiro. Vi nos seus olhos um brilho parecido com o brilho obsceno do olhar da viúva do cajueiro. Senti um arrepio. Vi que era um pouco maior do que eu e tinha os cabelos curtos. Mesmo de longe pude avaliar o volume das pernas e a presença agradável dos mamilos querendo furar a blusa. Encontramo-nos na cacimba.
- Você é o menino do ingazeiro?
A voz era de gata manhosa. Balancei a cabeça confirmando. Ela roçou a perna na minha, deu uma revirada nos olhos e perguntou suspirando:
- Como é teu nome?
Realmente não era bonita. Tinha o olhar esdrúxulo, os cabelos despenteados, um dente tramelado cuja função era dar ao sorriso certa agressividade erótica, combinando com os olhos rasgados, mal desenhados. Não me passou pela cabeça jogar aquela figura no papel, mas o toque de sua perna na minha eriçou os pelos dos gatos do meu interior. Os uivos deles confluíram para minha virilha.
- Meu nome é Valdeci.
Ela deu uma risada espalhafatosa. Felizmente estávamos sós. Dona Luiza mexia lá pra dentro.
- Por que você sorriu?
- Você tem um nome de menina.
- Também acho, mas não vejo graça nenhuma - respondi amuado.
- É que o meu nome é Jorge, um nome de menino.
Rimos juntos, mas o aparecimento súbito de dona Luiza quebrou o encanto. Enchi as latas, coloquei o calão nas costas e subi a ladeira lembrando as palavras de meu irmão: Donzelo é o cara que ainda não pegou uma mulher. A viúva do cajueiro tinha tirado a donzelice de meu irmão. Ele agora era um homem. Eu não queria, mas meu pensamento só corria para Jorge, a menina com nome de menino. O odor do seu corpo suado impregnou as touceiras, o quintal, até o ingazeiro avivou o verde de suas folhas ficando mais bonito.
Jorge brincava com minhas irmãs, mas não tirava os olhos de mim. Das conversas ouvidas soube que o pai dela batia na mãe e tinha outras mulheres. Raramente se ouvia a voz dele, e quando acontecia era quase sempre gritando com a mulher ou com a filha. Às vezes dona Nazaré vinha pedir um pouco de açúcar ou farinha. Eu sentia pena dela. Minha mãe mandava entrar. As duas ali, sentadas nos tamboretes, as sombras dançando na parede, trocavam lágrimas e confidências, enquanto eu eternizava no papel de minha alma branca o esboço de suas figuras.
Numa tarde de sábado eu estava no alto do ingazeiro quando ouvi a voz de Jorge:
- Valdeci, desce daí. Quero te perguntar uma coisa!
Senti o coração acelerar. Num segundo estava ao lado dela, tremendo como os galhos do ingazeiro sob o vento. Ela notou meu embaraço e parecia se divertir.
- O que você quer? – perguntei, quase gaguejando.
- Nada. Só queria ver você de perto. Tem algum mal nisso?
- Nenhum...
- Por que você gosta de ficar trepado lá em cima?
- Porque é bom. Vejo quase todo o córrego. Fico mais perto do céu, converso com os passarinhos. Também escapulo quando mamãe quer me pegar. E ainda vejo tudo o que se passa na redondeza.
- Curioso, hein? Também sou curiosa. Posso subir?
- Não sei. Você está de saia.
- Besteira!
E num segundo Jorge escalou o tronco alcançando minha galha preferida. Sorria com seu dentre tramelado, enquanto abria as pernas e fechava num jogo que fazia meu sangue ferver ante a visão de sua calcinha encardida.
- Sobe. Vamos espiar juntos!
Ela nem terminou a frase e eu já estava fungando-lhe o cangote que cheirava a óleo de comida. Seus dedos longos tatearam sobre minha virilha exatamente onde os gatos uivavam.
- Tá é duro! - sussurrou ela no meu ouvido - vamos pra minha casa.
- E tua mãe?
- Ela foi pra feira e vai demorar. Vou descer e te espero.
Quando ela pisou no chão as folhas do ingazeiro murcharam. Meu coração tremia como no dia do furto dos refrigerantes. Meu pai e minha mãe ressonavam no quarto. Um sono pesado por causa do pirão de mão de vaca. Lúcia estava entretida com uma fotonovela. Valdete ajudava dona Anunciada na casa. Donzelo é o cara que ainda não pegou uma mulher. A voz do meu irmão soava por toda parte do casebre.
Um suor frio me descia pela face, mas os gatos continuavam gritando, o calção querendo rasgar. Fiquei parado na porta semi-aberta. As cicatrizes provenientes das vassouradas fizeram-me vacilar. Não, minha mãe não me podia bater dessa vez. Meu pai diria que eu já era um homem. A turma teria mais respeito comigo. Andar com mulher não era a mesma coisa que furtar garrafas. Meu irmão dissera que viúvas não têm cabaço, por isso era bom, Jorge não é viúva, A conclusão lógica despencou pela ladeira quando lhe ouvi a voz de gata manhosa.
- Entra logo menino.
Mal tive tempo de reparar no restante das coisas. Jorge me jogou na cama de lona enquanto se livrava da calcinha. Jesus com o coração de fora olhava pra cima. Cheiro de suor com óleo de linhaça. Apenas de saia ela esfregava os mamilos na ossada do meu peito. Sem saber o que fazer com as mãos, segurei-a pelos cabelos encarando seus olhos rasgados e seu sorriso tramelado.
- Você quer mesmo?
Perguntei querendo dar uma de experiente. Depois de algumas tentativas mal-sucedidas sai frustrado e invejando o desempenho do meu irmão com a viúva do cajueiro.
Texto do livro Almas Negras, de minha autoria, lançado em 12 de 08 de 2011 em Recife
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