Anos passados, permaneço no sofá.
Os pombos, velhos e gastos, são expulsos como se fossem uma praga, tal como eu.
O movimento aumenta, entram homens e homens e começam a destruir, sem dó nem piedade, as paredes da minha memória.
Permaneço no sofá.
As paredes à minha volta, que tanto choraram as minhas lágrimas, foram reinventadas, pintadas de branco.
Há uma porta nova, fechada.
A madeira podre, disfarçada de mobília, é deitada fora pelos homens novos que esquecem as gerações de memórias que elas escondem. São minhas, as memórias.
Dão-me banho, cortam-me o cabelo, desfazem-me a barba, secam-me as lágrimas que ainda tinha por chorar.
Roubam-me o sofá que já tinha a minha forma. Queimam-no. E com ele ardem as minhas memórias.
Esta casa já tem tecto, já não sinto a chuva lavar-me o rosto. Já não sinto o cheiro a merda, já não oiço os ratos no piso de cima, já não vejo os pedaços de si que cada sem abrigo deixou para trás.
Oiço apenas o movimento frenético lá fora. Uma rua que foi, um dia, abandonada e frequentada apenas por crianças curiosas e pelo lixo que sonhava ser alguém.
Estou no sofá. Num outro sofá. Na mesma casa, mas com outro sabor.
Continuo à espera, mas já não sei bem de quem...
"ser Poeta nao e' escrever A-B, A-B!"
Para compreensão desta prosa deve ler-se "Standby"