Encontrei um muro que dividia a terra, mas eu queria passar para o outro lado. A guardar o muro estava um monstro nauseabundo. Ele era sonho e eu também.
O monstro era enorme. Tinha focinho de cavalo, com umas narinas muito abertas que expeliam fogo. Tinha duas cavidades oculares. Mas dentro de cada uma, em vez de ter um só olho, tinha mil olhos que se movimentavam rapidamente, o que permitia ao monstro ver em todas as direcções ao mesmo tempo. A sua língua eram três tentáculos de polvo compridos. Da sua boca saia uma baba repugnante que enojava até o mais imundo dos homens. Tinha cinquenta cornos de várias formas, tamanhos e feitios, numa linha, dois a dois, que iam desde o início da testa até ao fim do pescoço. Nas suas costas e ombros tinha centenas de espetos, que saíam e voltavam a entrar alternadamente, provocando um barulho semelhante à água em ebulição. Da sua barriga saíam quatro cabeças de cães raivosos, que rosnavam impacientemente. As mãos do monstro eram lâminas afiadas. Da cintura para baixo tinha corpo se serpente enrolada. Ele dirigiu-se a mim e perguntou:
- Que fazes aqui? Procuras o desespero?
Eu respondi:
- Eu já encontrei o desespero. Comi as suas carnes e logo a seguir vomitei-o.
O monstro perguntou novamente:
- Então que fazes aqui? O que procuras?
Eu respondi:
- Eu procuro a beleza, a simplicidade e a inocência.
Então o monstro recuou. Os cães deixaram de rosnar. Os espetos recolheram todos. Os olhos ficaram parados e das suas narinas deixou de sair fogo. Esteve assim parado durante um pouco. A seguir transformou-se numa bola e dela saíram mil patas de aranha. Nessa forma ele foi-se embora. O muro que protegia dissipou-se como fumo. Deixando-me num prado verde.
“Para amar o abismo é preciso ter asas…”