O tempo,
esse inexistente que eu crio
apenas com o meu olhar, me fez assim:
cada vez mais desconfiado do que penso saber,
cada vez mais necessitado de silêncios,
e cada vez mais perceptivo da inutilidade
de falar às pessoas.
O tempo,
essa avantesma do meu olhar ansioso e mortal,
girando sobre seus circuitos sempre misteriosos,
trouxe-me [de volta] um dos sentidos primitivos das minhas mãos:
comer... comer com mãos, partindo os alimentos em pedaços,
apanhando o bocado simples do meu sustento.
O tempo,
essa lubrificação com que o meu olhar faz correr os dias
mostrou-me que escrever é lançar cordas sobre abismos,
é estender tentáculos sobre a face escura do nada... e para nada!
Não há deus, não há ser que me salve de mim mesmo: sou abandono...
O tempo,
essa consumição de meu olhar em vazios celestes,
trouxe-me [de volta] algo que eu havia perdido:
a clara noção de que os desertos não me devolvem a voz,
e que a secura de tanto falar é perda, é desutilidade...
O tempo,
essa pesada mó, essa máquina infernal de destruir sentidos
que o meu olhar tenta, em vão, instituir no mundo,
ensinou-me que a solidão é incriada por todos,
é vício, ou é destino natural da espécie humana,
e só os loucos, os alienados não a sentem!
O tempo,
vem do Nada o olho-do-cu desse redemoinho
que sopra, eternal, na Grande Avenida da minha infância...
O Tempo, implacável ginete desse vento,
tem me ensinado que eu só fabrico inutilidades,
e que, de todas as horas minhas, só faço cinza fina, fria —
os que se aproximam de mim que se cuidem!
[Penas do Desterro, 12 de setembro de 2011]
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PS. tá bom, tá bom! Se eu não te esquecer, mais tarde eu penso nisto. Por agora, deixa assim!