Ontem, roubei as palavras que não tinha, ao entardecer. Ele nem deu por nada de tão atarefado que andava a arrumar a casa depois da festa de mais um dia. Era preciso arrumar tudinho nos lugares certos, limpar o que restou do reboliço imprevisto da chuva, pintar o céu de vermelho aproveitando os raios de sol já tão enfraquecidos pelo cansaço da luta contra as nuvens pesadas e poderosas. Era preciso adormecer as campainhas amarelas da Primavera, os brincos de princesa dos canteiros das casas da aldeia toda; convencer os passarinhos tagarelas a calarem-se e a sossegarem nos seus ninhos feitos lá nos ramos cimeiros das árvores. E as estrelas? Ninguém se lembrou ainda de as acender? É preciso acender as estrelas e já! Tudo tinha de estar perfeito para ela... Por fim ela chegou, cintilante e arrebatadora, com o seu vestido de prata e o encanto dos olhares de espanto de todos, espelhado no brilho dos seus cabelos esvoaçantes de deusa da noite. Foi por ela que o entardecer se distraiu e deixou que lhe roubasse estas palavras com que agora vos descrevo o que realmente se passou. A lua foi deusa e rainha, brilhou e encantou as almas mais sensíveis. E mais uma vez, foi musa de poetas e aprendizes, até surgir este novo dia!