não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu
2.
mas hoje é 5 de agosto. e todos os 5 de agosto são frios ainda que o orvalho não tenha força para gelar o coração – hoje é o teu aniversário de nascimento – um pai faz anos sempre. mesmo depois de partir com as palavras. e as velas com números já não iluminarem. não há sopro. nem abraço. nem beijo – parabéns pai – hoje não há velas. nem aquele bolo que as mantinha de pé. nem as bocas que ensinaste a rir e que neste dia gritavam: parabéns. por muitos anos – hoje há saudade. há memória do bolo cortado em mil pedaços a dizer que a vida é feita de migalhas – no canto do prato de vidro rendilhado retirado da vitrina de cristais para dias especiais. as velas deitadas. apagadas para sempre. com os números estendidos de qualquer maneira – números. uns fizeram tempo. outros. nunca o farão – imagino como seria se ainda hoje tivesses aqui os olhos feitos de fé. se tivesses vestido aquele pólo azul de manga curta e risquinha branca no colarinho. e aquele tique de mastigar com a boca vazia. e as mãos arrumadas à calça vincada. e o corpo a rir com a crença de que no próximo ano. com a graça de deus. o sopro apagaria mais um número – os números fugiram contigo e o agosto ficou ali para sempre parado – foram as últimas velas acesas. para o teu último sopro – nesse ano. já não reconhecias os números e o sopro já não foi teu. foi nosso. nós apagamos o teu último tempo – as velas cumpriram o seu objectivo. iluminaram o momento. as migalhas da vida que ainda restavam – cumpriram o destino – tu também cumpriste o teu destino [eu acredito no destino]. nasceste para ser doce. cor. alegria. bondade. nasceste para ser pai de família – muitas vezes. estupidamente. exigia-te mais. queria-te diferente. talvez menos açucarado. menos colorido. menos bondoso. menos gesto. menos dos outros e mais meu – mas tu nasceste algodão. algodão doce – hoje. quando vou a uma romaria procuro sempre o homem do algodão doce. invento um recanto desabitado. fecho os olhos e espreito o passado. e lá estás tu. sempre enorme. e eu a teu lado sempre pequeno – o tempo não mata a saudade – com certeza já não te lembras desse dia. estavas feliz como sempre parecias estar. afinal era nas tuas mãos que nascia algodão – depois partimos de mão dada e passo a passo cortávamos a multidão a meio – tu e eu num silêncio festa sorriamos felizes. eu levava aquele pauzinho algodão colado à mão para sempre. e tu levavas ao futuro a minha mão – hoje é 5 de agosto. tomara que te lembres deste dia de algodão. acredito que sim. afinal estás num sítio onde a memória é eterna –