Escrevi um poema... isto é, penso que escrevi; afinal, o que é um poema... nada.
E agora, olhando o cerne da alma da Rua, concluo que tudo, inclusive um poema, é coisa à toa mesmo, e que as janelas são feitas para aerações de atoices, de poemas, e para a gente contemplar as coisas que acabaram de passar... tantas são as coisas que passam pela Rua! Até um inocente como eu sabe que o passar é próprio da natureza das ruas...
Mas o que eu ia dizendo... O poema já está escrito; abro a janela, e, com as mãos esquecidas uma da outra, mas com alguma esperança, deixo-o cair na rua; vejo o vento levá-lo até ali, depois para lá... vem gente na rua, pisa nele, e sem se deter para ler, chuta para a sarjeta. Logo, mais outra lufada de vento, e o poema vira papel caído na grama; vem o gari, com seu espeto diabólico, e dá a conta final dele.
Antes que isto aconteça, eu pergunto: será que, em vez de alimentar esperanças, eu posso fingir que esqueci o meu poema na porta [da rua] da sua casa? Ou quem sabe, na mesinha de canto do consultório médico onde você vai hoje à tardinha (sei que vai; agora, virou moda ir frequentemente ao médico), ou no caixa eletrônico do Banco? Posso esquecer meu poema com você? Posso esquecer-me de mim, com você? Posso? Não vai chutar-me para a sarjeta da Rua do Esquecimento?
E agora? Se tudo, mas tudo mesmo, até os amores da vida gente, passa pela Rua do Esquecimento, por que o cometimento de um poema? Quem é esse sujeito — o poeta? Por que não o prendem por excesso inutilidade, ou por exagero de flanação? Um reles flaneur, o poeta?!
Sim, eu sei que posso fazer melhor que isto aí... posso sim — mas para quê... A Rua do Esquecimento não merece uma sofisticação em forma de poema! Ou merece? Fundamental é registrar... registrar... registrar o passar da Rua — e nada mais!
[Penas do Desterro, 09 de agosto de 2010]