(Ponte Japonesa (1918-1924) – Claude Monet)
Era um mundo estranho a ele, logo ele, que durante anos pintara as paisagens, enaltecera a beleza. As imagens pareciam-lhe borradas, como se houvessem jogado um líquido qualquer sobre a tela ainda fresca. Fugiam-lhe os contornos dos objetos, as cores. Enfim, a catarata o impedia de ver com a perfeição de outrora. Costumava pintar ao ar livre, em qualquer época do dia, expondo-se ao Sol. Mas, agora, este mesmo Sol lhe fora traidor, roubando-lhe parcialmente a visão e o mergulhando em um universo bizarro. Aliado ao problema de saúde, a idade já não o ajudava. Contava já com 86 anos.
Mesmo assim, não dobrava diante da doença, continuava sua arte de pintar, utilizando, agora, de tintas mais fortes, principalmente o vermelho, em vários tons. Clèmenceau lhe fortalecera durante anos com suas cartas, sempre o apoiando. E conseguira reanimá-lo.
Mas, agora, estava cansado, exausto mesmo! Sua visão estava muito prejudicada e já não dispunha de tanto ânimo como outrora: a idade pesava, sentia a ação nefasta dos anos no seu corpo. Triste por não poder ver mais o céu de Giverny, o céu normando que o tanto inspirou, ele já não sentia nenhum entusiasmo. Começava a indagar a necessidade de continuar na estrada da vida, diante de tantas dificuldades.
Não, não era fácil ter o dom de pintar, gostar do que fazia (e fazia bem) e não poder mais gozar de uma visão saudável. O negro do olho embranqueceu com o passar do tempo – era quase todo ele monocromático – e uma mancha toldáva-lhe a visão. – Que mundo é esse? Indagava. – Que formas disformes são estas? Pensava, guardando para si suas queixas e perguntas. Silêncio e escuridão o rodeavam.
De repente, a vista se lhe escurece, ele não nota a diferença. O mundo disforme vai-se apagando, como uma lamparina minguando o querosene. Suas forças cessam, Monet sai das sombras e entra na luz.
(Danclads Lins de Andrade).